Se as palavras pudessem gostar de alguém, certamente gostariam muito da paulistana Noemi Jaffe. Pois são poucos os escritores que conseguem combinar tão bem o entusiasmo juvenil e o rigor científico ao tratar desses estranhos seres feitos de letras. Seres?
Em certo sentido, sim. Como ela mesma diz, na saborosa entrevista feita em sua casa, as palavras podem e devem ser ativas. Em um trecho de Írisz: as Orquídeas, seu primeiro romance, a protagonista do título, que foge da Hungria após a invasão soviética em 1956, diz a seu colega (e flerte reprimido) no Jardim Botânico de São Paulo, também especialista em orquídeas e um comunista desencantado: “Mas as palavras carregam coisas que ficam além do que elas dizem, num lugar onde está o que elas querem dizer. Eu sinto como se elas guardassem uma origem perdida. Então quero, desse jeito teimoso que você, Martim e todos recriminam, criar um vínculo entre aquilo que a palavra foi um dia e o significado de agora. Parece que, desse jeito, as palavras e as coisas voltam a ter algum sentido maior”.
A busca do sentido maior, seja na concretude primeira das palavras ou na luta existencial das personagens é algo que parece percorrer também seus livros anteriores, com peso maior de um ou de outro. Se A Verdadeira História do Alfabeto pode ser encarado como um exercício lúdico e bem-humorado, Todas as Pequenas Coisas como um cruzamento entre a filosofia e o jogo semântico, O que os Cegos Estão Sonhando? se apoia bem mais na lição de vida dada por sua mãe, uma senhora animada e independente de 89 anos, que sobreviveu a Auschwitz e é, provavelmente, mais feliz do que a grande maioria das pessoas que nunca passou por um trauma como aquele.
Este último, lançado em 2011, guarda, curiosamente, alguns paralelos com Írisz. É como se fossem, de alguma maneira subterrânea, complementares. A Hungria surge em ambos, assim como a história trágica da Europa em meados do século 20. Alguns dos temas que a autora, em sua escrita fragmentada, trata em digressões elegantes e muito inteligentes, são os mesmos: a situação limite, a coragem, a fome (e a comida), a perda, a saudade, o amor impedido pelas circunstâncias históricas, a dignidade, a resistência, a beleza dos pequenos gestos e das coisas pequenas.
Caçula de três irmãs, mãe de uma escritora, Leda Cartum, e do estudante de jornalismo David, Noemi é doutora em Literatura pela USP e viciada em redes sociais, como o Facebook. Em seu blog (nadaestaacontecendo.blogspot.com.br), dá definições poéticas para as coisas e em sua conta no Twitter escreve sobre a origem das palavras. Quando fala, é com espontaneidade e clareza, cônscia da gramatura dos vocábulos. Nada programado, ela simplesmente faz os assuntos fluírem e se ramificarem. Seus alunos de escrita criativa, em oficinas que ministra Brasil afora ou na Casa do Saber, em São Paulo, certamente aprendem mais do que ela quer dizer. Falamos sobre isso e ainda sobre os rumos da literatura contemporânea, a crise política, a natureza do ofício do escritor, o humor, a sensação do desterro e a dissolução dos gêneros na literatura.
Brasileiros – Como foi para você, que já escreveu poemas, ensaios, aforismos, crítica, memória, escrever um romance?
Noemi Jaffe – Eu adorei. Fiquei orgulhosa em ver como os personagens funcionaram. A Írisz, o Martim, a mãe, o pai. É algo que eu quero continuar experimentando, construir personagens. Eu queria saber se eles iriam ficar juntos, o que iria acontecer com eles. Já estou com o segundo romance na cabeça, mas não comecei ainda.
Írisz parece correr em dois níveis: um, o da preocupação com as palavras e outro o das emoções dos personagens. Como se dá essa relação?
O fato de eu prestar tanta atenção nas palavras ou na origem das palavras especialmente, às vezes até me trava. Porque tenho tanta preocupação de que sejam usadas de uma forma própria, no seu sentido mais específico, que às vezes eu não consigo falar, nem escrever.
Por Daniel Benevides. Leia entrevista completa na edição de agosto da Revista Brasileiros, já nas bancas!!!