O racha, rachou!

Em cinco minutos reuníamos a turma, escolhíamos os jogadores de cada lado e partíamos para a pelada, sem juiz nem tempo certo da partida acabar. Valia o fôlego, as habilidades e a sorte dos goleiros para defender os chutes dos craques pernas de pau.

Naqueles anos a via pública era o nosso espaço de lazer. Lá brincávamos de tudo: mana-mula, pega-pega, queimada, esconde-esconde, vôlei, futebol, pião e nos encontrávamos para rachar o bico de tanto rir das presepadas que aprontávamos uns com os outros sem qualquer maldade. Apenas graça e para tirar um sarro, como se dizia também.

Mais crescido, certo dia me chamou a atenção o nome de Ruth Rachou, proprietária de uma escola de dança. Pensava comigo: será ela francesa? Não sei a sua nacionalidade, mas confirmei que o seu estúdio nascido desde 1972 deixou de existir em 2015, e o seu legado continua sob a responsabilidade do seu filho Raul Rachou, bailarino de profissão.

Nos dias atuais os tons de cinza pairam sobre as nossas cabeças e os rachas estão em todos os lugares. Os viadutos estão rachados, algumas paredes têm rachaduras imensas e algumas avenidas encontram-se repletas de buracos.

Os rachas do Brasil, antes disfarçados, agora estão expostos e não há Super Bonder que dê conta de consertá-los. Certas fissuras históricas exigem profundas transformações de dentro para fora, porque estão impregnadas na nossa cultura, no nosso jeito de agir, e nos sistemas que sustentam esse país.

Recentemente as rachaduras da barragem de Mariana provocaram impactos sociais e ambientais gravíssimos e, feitas as contas, para a empresa o negócio continua e o acidente foi um mero problema de gestão.

Dependendo da perspectiva, um racha pode expor distintas situações. Tomara que os “rachamentos” visíveis ofereçam brechas, as quais permitam que cada um de nós enxergue esse momento histórico com novas lentes, e que antes de simplesmente culpar “tudo o que aí está”, observe e reflita como agirá daqui para frente, a fim de sanar as sangrias individuais e coletivas.

A atmosfera cinzenta é passageira e o Sol, astro rei, é imenso. A sua força e o seu brilho devem beneficiar a todos nós. Tomara que juntos e, como nação, possamos usufruir dessa energia infinita em sua plenitude, e que os rachas sirvam para a reconstrução de cada indivíduo e do Brasil. Por aqui, fico. Até a próxima.

***
Leno F. Silva é diretor da LENOorb – Negócios para um mundo em transformação e conselheiro do Museu Afro Brasil. Escreve às terças-feiras no São Paulo São.

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