Por Walnice Nogueira Galvão.
Os italianos foram figuras de proa na formação do proletariado paulista e na primeira greve geral operária de 1917. Chegaram a tempo de participar do Modernismo e da Semana de Arte Moderna de 1922. Nascido na Itália foi nosso maior escultor depois do Aleijadinho – Victor Brecheret, autor do Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera. E outros eram oriundi, como a pintora Anita Malfatti e o poeta Menotti del Picchia.
Os bairros que se tornaram o reduto dos imigrantes serviram para cenário dos livros do modernista Alcântara Machado – Braz, Bixiga e Barra Funda e Laranja da China –, que tematizaram a experiência deles e elaboraram sua linguagem. Mário e Oswald falam deles em poemas e em ficção, porém sem tanta exclusividade.
Vasta audiência teve Juó Bananere (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado) em jornais e revistas, criando um jargão macarrônico “italo-paulista” que tem suscitado teses de doutoramento. Escrevia engraçadíssimas paródias de sonetos, que de tão repetidos em escolas e festinhas familiares se tornaram kitsch, a exemplo de alguns de Olavo Bilac (“Ouvir estrelas”) e Raimundo Correia (“As pombas”). Tudo isso iria para o livro La divina increnca, do maior satirista do Modernismo. Não eram menos geniais as ilustrações de Voltolino, na pia batismal Lemmo Lemmi, autor do boneco de Juó Bananere.
A segunda geração modernista de pintores traria o Volpi das bandeirinhas e a Família Paulista; o Grupo Santa Helena (Aldo Bonadei, Clovis Graciano e vários outros ítalo-descendentes); e mais o Pancetti das marinhas, este vivendo entre Bahia e Rio.
Na música clássica, destacaram-se compositores como Radamés Gnatalli, que já veio batizado por um pai fã de ópera – gênero que nasceu na Itália – com o nome do protagonista da Aída, de Verdi. Outro, e não menos ilustre, foi Francisco Mignone, que assinou como Chico Bororó suas composições populares que incluíam valsas, maxixes, choros. No momento, a pianista Josephina Mignone, sua viúva, aos 94 anos, está gravando todas elas em CDs.
Tomou também o rumo do Novo Mundo o maestro e violinista do Teatro La Scala de Milão Guido Rocchi, que aparece junto com Mário de Andrade na famosa foto do corpo docente, todo enfarpelado, do Conservatório Musical de São Paulo. Era marido de Teresina Carini Rocchi, protagonista do livro de Antonio Candido Teresina etc., que fala dos italianos militantes socialistas em São Paulo.
Cantores populares não faltaram, como o grande Adoniran Barbosa, nome-de-guerra de João Rubinato. Outro foi Carlos Galhardo, que aportuguesou seu sobrenome Guagliardi. Isaurinha Garcia, que era Pancetti de mãe, sobrinha do pintor, nasceu e foi criada no Braz: donde seu leve anasalado, que, embora leve, é indisfarçável.
No cinema, empreendimento único foi a criação nos anos 50 da Vera Cruz, que ambicionava ser uma Hollywood ou uma Cinecità, iniciativa do industrial italiano Franco Zampari. Assentaria as bases do cinema profissional em São Paulo e deixaria formados diretores, atores, cinegrafistas, cenaristas, iluminadores, técnicos em geral, que fecundariam a arte futura. E nos legou um dos principais atores populares das telas brasileiras, que faria carreira longa e cheia de triunfos interpretando justamente um caipira, Mazzaroppi.
Nomes como Ruggero Jacobbi, Luciano Salce, Adolfo Celi, Aldo Calvo, Gianni Ratto, Flaminio Bollini Cerri, Mario Civelli, vieram para o Brasil para colaborar tanto no projeto da Vera Cruz quanto na criação do Teatro Brasileiro de Comédia, que profissionalizou o pessoal dos palcos e promoveu a renovação do repertório.
Em seu conjunto, é uma contribuição inestimável.
***
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP.