Feche os olhos, pense em “cidade criativa” e é provável que lhe ocorram cores, sensações e histórias de cidades que impressionam por serem muito inovadoras, valorizarem conexões e investirem em sua cultura – em suma, por serem criativas.
Mas, para cada Medellín, Lisboa, Turim – ou, no rol das pequeninas, nossa singela Santa Rita do Sapucaí -, há uma miríade de iniciativas de reinvenção da cidade a partir de sua criatividade que se desidrataram no meio do caminho. Se os êxitos nos encantam pela inspiração, é dos tropeços que destilamos os maiores aprendizados – em especial porque a maioria deles é recorrente.
1 – Entender a cidade como um produto (e não um processo)
Cidade criativa é cidade que se reinventa. Prova disso é Paris, aliás – mas isso será para outro artigo.
2 – Restringir a cidade à economia criativa
Diga a um urbanista que cidade criativa é aquela na qual a economia criativa tem destaque (ponto) e envie junto muito chá de camomila. É claro que a economia criativa se beneficia de um ambiente propício a essa criatividade, com um ambiente de negócios favorável a ela etc. mas a economia é apenas um dos pilares de uma cidade. Basta pensar no incômodo que sentimos quando somos considerados não como pessoas e cidadãos de fato e de direito mas apenas como consumidores ou trabalhadores.
3 – Priorizar o talento de fora
4 – Tomar a parte pelo todo
Basta colocar dois moradores bairristas para defenderem a criatividade de suas cidades e pronto, lá vem um repente de argumentos de por que uma é mais criativa do que a outra. Mas aposto um acarajé que os bairros e propostas “cool” e “trendy” não faltarão, enquanto raras vezes, se alguma, serão mencionadas iniciativas voltadas às áreas menos favorecidas da cidade. Algo que a pandemia talvez resgate em nosso imaginário coletivo, é a compreensão de que fazemos parte de uma comunidade; o resgate da lógica de que a cidade é um sistema enredado e não o arquipélago de realidades no qual muitos de nós passamos a viver. Falar de cidade criativa requer aproximarmos as regiões que, embora em uma mesma cidade, apresentam desafios dos séculos XIX e XXI.
5 – Falar em nome do cidadão
Há vários os canais de participação cidadã, presenciais ou digitais – orçamento participativo, audiências públicas, canais de ouvidoria, aplicativos de zeladoria urbana – mas, entre eles existirem e os cidadãos acreditarem que serão ouvidos, participarem e acompanharem decisões, há não raro uma longa distância. Parafraseando Milton Nascimento, todo urbanista, economista ou gestor público deve ir onde o cidadão está. Quando começamos a desenvolver a marca-território do Vale do Jequitinhonha, percebemos que os instrumentos tradicionais de escuta do cidadão – oficinas, entrevistas etc. – não seriam suficientes para decodificar o universo de quem lá estava. Criamos então caixas com estímulos sinestésicos, para que as pessoas pudessem se expressar com o apoio de objetos, e sentissem a que ponto sua opinião era fundamental para nós.
6 – Sugerir ações órfãs
Se de boas intenções o inferno está cheio, também o está de planos estratégicos. Uma das razões para isso, não obstante a validade de muitas dessas iniciativas, é por proporem ações, eventualmente indicando a quem caberia e só então alinhar esse intuito com quem de direito. Ao longo de todo o desenvolvimento do Dá Gosto Ser do Ribeira, primeiro plano regional de economia criativa do país, tivemos conversas frequentes não apenas com o Sebrae, nosso contratante e com o CODIVAR – Consórcio Intermunicipal do Vale do Ribeira e do Litoral Sul, nosso parceiro, mas com várias Secretarias de Estado, SESC, SENAC, Instituto Federal, Cetesb e outras instituições, uma vez que o desenvolvimento de um território necessita da participação de todos – sempre e quando eles também entendam que as ações propostas para a coordenação deles são realmente as mais indicadas.
7 – Lance o seu!
Outros pecados não faltam – de continuidade a articulação de governança, passando por criação de valor percebido e criação de métricas/KPIs. Deixo ao generoso leitor/a o convite a que finalize a lista com o seu preferido.
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Ana Carla Fonseca é economista e doutora em Urbanismo, escreveu a primeira tese e lançou os primeiros livros sobre cidades criativas no Brasil. É palestrante e consultora pela Garimpo de Soluções, tendo atuado em mais de 200 cidades, de 32 países. Esse artigo foi publicado originalmente no site Socialismo Criativo.