Ovar: uma viagem à cidade dos azulejos, onde cada rua é como uma sala de museu

Em recente entrevista ao jornal Público, a pesquisadora Maria do Rosário Carvalho, da Universidade de Lisboa, reforçou a relevância de Ovar: “arriscaria dizer que é o conjunto mais bem preservado em Portugal e é por isso um testemunho de enorme importância. É claro que Ovar não tem mais azulejos do que Lisboa, Porto ou Aveiro, por exemplo, mas tem uma quantidade e uma diversidade azulejar que a concentração e a escala da própria cidade potencializam. Cada rua é como uma sala de museu”.

Hoje, cerca de 250 fachadas já foram restauradas pelo atelier e costumam atrair a atenção de turistas que participam regularmente de visitas guiadas promovidas pelo município. Em 2017, cerca de 2500 pessoas circularam pelas ruas de Ovar, parando em frente das casas e conhecendo um pouco da história, dos padrões e das técnicas de desenho e pintura de cada um daqueles azulejos coloridos. Ao final do percurso, muitos ainda vão para a oficina do ACRA e pintam as suas próprias peças. Aqui em Ovar, aliás, o mês de maio é totalmente dedicado ao azulejo, com oficinas, palestras, visitas e mostras. As atividades celebram o Dia Nacional do Azulejo, 6 de maio, criado em 2017 com o objetivo de sensibilizar a sociedade para a proteção do património azulejar, um dos mais importantes do país.

A Prefeitura de Ovar tem um Atelier de Conservação e Restauro do Azulejo (ACRA) desde 2001. Foto: Notícias de Aveiro.

Mas apesar de o azulejo, principalmente em Ovar, ter toda essa relevância e importância histórica e artística, ainda há muito o que ser feito na sua preservação. “Os portugueses nascem em locais com azulejos, porque os hospitais eram antigos conventos e estão cheios de azulejos, crescem em cidades cheias de azulejos, casam em igrejas com azulejos e, quando morrem, são enterrados também em locais com azulejos…”, lembra a pesquisadora Maria do Rosário, que também é coordenadora do Az  – Rede de Investigação em Azulejo da Universidade de Lisboa. “Os portugueses acabam por não conferir aos azulejos a importância que merecem, ao contrário dos estrangeiros”. Não sei se posso falar ainda da percepção do português, mas como estrangeiro fico encantado com a beleza de cada peça, cada painel de cores, com as histórias contadas em imagens. E por falar em história, consta que o Brasil faz parte da história dos azulejos. Alguns pesquisadores afirmam que a tradição dos azulejos de Ovar está ligada ao retorno dos portugueses que haviam ido para o para o Brasil na transição entre os séculos XIX e XX. Quando voltavam endinheirados para Portugal, eles queriam afirmar a sua riqueza: o uso do azulejo como elemento decorativo das fachadas, o que estava na moda e era ostensivo, cumpria bem esse papel. Além disso, como Ovar fica a cerca de 5 km da praia, os azulejos ofereciam vantagens práticas de resistência e de durabilidade no revestimento de fachadas.

“Por isso [os portugueses] acabaram por não lhes conferir a importância que merecem. São um dado adquirido”. Maria do Rosário Salema de Carvalho. Foto: Nelson Garrido / Público.

Não sei se temos algo a ver com isso ou não, mas o fato é que Ovar, esta sim, já pode dizer que é uma cidade que serve de referência para outras iniciativas no país. Em Lisboa, passou a funcionar no ano passado o Banco Municipal do Azulejo, que guarda 30 mil mosaicos provenientes de edifícios demolidos ou de doações ao município. O banco funciona como um centro de investigação e de recolha dos azulejos, a exemplo do que é feito há vários anos pelas câmaras de Aveiro, Ovar e Porto, e tem como prioridade reintegrar as peças ao espaço público. O banco possui também um acervo de imagens de todos os azulejos existentes no espaço público da cidade e já conta com cerca de cinco mil edifícios inventariados. O levantamento é uma arma importante para tentar barrar o desaparecimento sucessivo da azulejaria dos espaços públicos.

O SOS Azulejo quer “limitar e controlar a venda de azulejos antigos”, como a que se faz na Feira da Ladra, lojas de antiguidades e outras feiras de bugigangas pelo país. Foto: João Pedro Pincha / Público.

Apesar de as fachadas azulejadas estarem protegidas por lei desde 2017 (atenção turistas: levar aquele azulejinho que parece meio solto na fachada de uma casa numa rua deserta é crime!) ainda é necessária a luta de diversos grupos e organizações para tentar coibir o roubo e a venda das peças. Na Feira da Ladra, realizada todos os sábados em Lisboa (algo como a feirinha do Masp ou da Praça Benedito Calixto, ambas em São Paulo) é comum ver comerciantes expondo azulejos, que sempre são arrematados pelos turistas. Além disso, prédios antigos são vendidos e demolidos totalmente, pondo abaixo também um incalculável patrimônio azulejar das paredes interiores. Uma lei que já proibia, desde 2013, em Lisboa, demolir prédios com fachadas revestidas de azulejos, passou a valer para todo o país a partir de agora, o que tem sido comemorado por grupos de defesa do patrimônio. A SOS Azulejo, uma das entidades mais ativas, já anunciou que o foco agora é “limitar e controlar a venda de azulejos antigos”, como a que se faz na Feira da Ladra, lojas de antiguidades e outras feiras de velharias pelo país. No início deste ano, o movimento cívico Fórum Cidadania Lx pediu à Câmara Municipal de Lisboa apoio para uma campanha de “tolerância zero” perante o comércio ilegal de azulejos, “por meio de alertas e informações sobre a proveniência duvidosa de azulejos e de como o seu tráfico tem efeitos nefastos no património da cidade e do país.”

Fachada da Estação Ferroviária de Aveiro. Em suas paredes, se formam diversos desenhos que retratam paisagens regionais. Foto: Ricardo Freire / Viaje na Viagem.

De volta a Ovar, o que o município começa a fazer é incentivar os proprietários a investirem na preservação e recuperação de suas fachadas, por meio de mecanismos disponíveis para financiamento de reabilitação urbanas. “O azulejo é um dos elementos diferenciadores do nosso território e constitui uma das principais características do centro urbano da cidade de Ovar, pelo que importa preservá-lo, valorizá-lo e potenciá-lo nas vertentes patrimonial, turística, artística e lúdica”, declarou o presidente da Câmara.

Cada rua é como uma sala de museu. Foto: Marcos Freire.

Da minha parte, como estrangeiro encantado com os azulejos que vejo por todos os lados, o que faço é chamar a atenção para esse assunto e convidar aqueles que também dão valor para esses quadradinhos coloridos de cerâmica que admirem as peças sem retirá-las das fachadas. E se quiserem pedalar ou caminhar com a gente pelas ruas de Ovar, será um prazer mostrar os meus caminhos. Podemos fazer um “safari fotográfico”, registrando os azulejos apenas em fotografias, como essas que estão ilustrando esse artigo.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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