Para reduzir moradores de rua é preciso pensar na prevenção

Ao assumir a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo, no início da gestão do prefeito Fernando Haddad, havia dois desafios eleitos pelos meios de comunicação para a pasta: Bolsa Família e população em situação de rua. Só nos questionavam sobre isso.

O primeiro deles foi resolvido com planejamento e estratégia. Em um estudo trabalhoso, mas muito eficiente, distritalizamos a pobreza e a extrema pobreza da cidade e iniciamos a busca ativa das pessoas. O resultado desta ação é que nossa meta de inserção de 228 mil famílias no programa Bolsa Família foi atingida em dois anos e meio, com 269.650 novas famílias, sendo que 194.148 delas estavam na linha da extrema pobreza, ou seja, renda per capita abaixo de R$ 74. Queríamos encontrar as famílias cuja vulnerabilidade era tão grande, que nem chegavam até nós, e conseguimos.

O segundo desafio, apesar dos significativos avanços, continua a ser imenso. Ampliamos a rede de acolhimento de oito para dez mil vagas, o que significa que há dez mil pessoas dormindo, comendo e sendo assistidas pelo poder público todos os dias. Mas mais importante que a quantidade é a qualidade destas novas vagas. Desde que assumimos, nossa preocupação foi criar espaços que atendessem a diversidade existente na rua. Afinal, temos pessoas com graves comprometimentos mentais, problemas de dependência química, egressos do sistema prisional, imigrantes, famílias recém-chegadas à rua e outras que já estão na terceira geração de rua.

Para as famílias, por exemplo, não havia oferta de saída a não ser de forma a separá-las.  Buscando atendê-las com dignidade, aprovamos, junto ao Conselho Municipal de Assistência Social, duas novas modalidades de acolhimento: o Família em Foco –para famílias muito comprometidas socialmente– e o Autonomia em Foco –para famílias ou pessoas sozinhas mais estabilizadas, mas que precisam de uma ajuda para conseguir sair da rede sócio assistencial de acolhimento.

Paralelamente, construímos com a Secretaria de Educação uma portaria que garante prioridade nas vagas de creches para as crianças cujas famílias estejam na linha da extrema pobreza do Bolsa Família. Com isso, conseguimos inserir as crianças filhas de famílias acolhidas, além de outras profundamente necessitadas. Vale aqui abrir parênteses para comentar uma triste, porém óbvia, realidade: ao cruzarmos a lista das famílias em extrema pobreza com a lista de espera de vagas da educação, o resultado foi que as crianças que mais precisam nem sequer estavam na lista de espera. A vulnerabilidade social dos pais é tão grande que a imensa maioria nem busca vaga na creche.

Quanto aos imigrantes, o recente fenômeno de chegada em massa à cidade nos levou a criar, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos, o primeiro acolhimento específico do Brasil. Trata-se de um acolhimento com alta rotatividade, para aqueles que chegam sem referência, mas que, com algum suporte, conseguem trabalho e moradia.

Outra preocupação foi com a população LGBT, que precisa ser incluída e aceita, mas que se queixava constantemente de discriminação e falta de privacidade nos acolhimentos. Para este grupo criamos espaços preservados e, para travestis e transexuais, inauguraremos até o final do ano um acolhimento exclusivo.

Por fim, visando atrair homens mais resistentes aos vínculos com a assistência social, criamos um complexo de três acolhimentos. O primeiro deles é de baixíssima exigência. Na medida em que a pessoa vai se comprometendo (e isto realmente acontece) e acha que está no tempo de assumir responsabilidades, passa para o segundo acolhimento, no qual se exige tratamento de saúde e capacitação para o trabalho e geração de renda. Uma vez cumprida esta etapa, a pessoa passa para o terceiro acolhimento, no qual é então preparado para sua saída da rede.

Mas o programa mais ousado e inovador foi, sem sombra de dúvida, o De Braços Abertos, que envolve diretamente as secretarias de Assistência Social, Saúde, Trabalho, Direitos Humanos e Segurança Urbana, com foco no cuidado com as pessoas em situação de rua com graves problemas de drogadição.  Na região da Luz, conhecida como cracolândia, a Prefeitura de São Paulo iniciou a oferta de acolhimento para as pessoas em hotéis, alimentação, atendimento de saúde e assistência social, capacitação e remuneração por 4 horas diárias de trabalho. Dentre as ações da Assistência Social no programa, podemos contar a emissão de mais de 500 documentos novos (RG e CPF), além do retorno familiar de 49 pessoas que refizeram os vínculos e voltaram para casa.

O último censo de população em situação de rua, contratado pela Prefeitura e realizado pela Fipe, foi divulgado em março deste ano e aponta a existência de 15.905 pessoas, isso contando os que estão efetivamente na rua e os acolhidos na rede sócio assistencial. Comparativamente aos censos anteriores, verifica-se que não houve um aumento desta população em relação ao número total de habitantes da cidade, sendo que a proporção de 0,1% se mantém.

A verdade é que a questão é muito complexa e precisamos pensar em caminhos preventivos, em soluções que envolvam direito à moradia e geração de renda. Cuidar das pessoas antes delas estarem em condição de rua é muito mais eficiente e barato do que cuidar delas depois desta situação consolidada, quando o resgate social fica mais difícil a cada dia que passam na rua.

***
Luciana Temer é secretária de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, doutora em direito pela PUC-SP e professora assistente doutora da Faculdade de Direito da PUC-SP. 

*Artigo publicado originalmente no UOL.

 

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