Peter Rosenwald estréia coluna e traz o olhar de um gringo sobre a cena cultural de São Paulo

Meu foco será principalmente sobre o “cultural”, e comentarei a cena artística brasileira cada vez mais animada, passando pela música, a dança e outras artes cênicas neste espaço cada vez mais caleidoscópico e multimídia de hoje.

Mas não há como evitar que meu vício pelo mundo da política cruze essa linha sempre mutante entre a cultura e o reality show mundial no qual somos todos atores e espectadores. Eles são todos, de fato, parte de um todo.

Você já percebeu como o conceito histórico de uma linha claramente traçada e não ultrapassável tem sido cada vez mais desvalorizada ultimamente? Na minha infância, havia uma linha rígida proibindo o uso de palavrões, cruzada apenas por nossa conta e risco. Lembro-me de minha irmã, que acabara de chegar de um primeiro semestre na Universidade, sendo mandada para fora da mesa de jantar em lágrimas, por ter derrubado um copo de água inadvertidamente e murmurado: “Oh merda!”. Como isso mudou.

Uma entrevista do “New York Times” com Brian Hanson, filho do criador do icônico Muppet, que está prestes a lançar “The Happytime Murders” (Crimes em Happytime), um spoiler misterioso chamado “R”, de um policial que trabalha em parceria com um companheiro marionete, perguntou: “Como o mais velho Henson, que morreu em 1990, se sente a respeito de piadas como a cena do filme pornô em que um polvo ordenha os oito tetas de uma vaca simultaneamente?” Ele iria gostar e dizer: “Você passou da linha em um alguns pontos”, disse Brian Henson. “Mas há uma expectativa com as comédias para adultos que nos dias de hoje se pode ir ainda mais longe, então fiz isso de propósito.”

Falando seriamente, o uso de armas químicas na guerra está indo mais do que “um pouco longe demais”, ignorando uma linha que não deveria ser ultrapassada por acordos internacionais. Mas tem sido assim no conflito sírio sem repercussões significativas. Da mesma forma, a disposição até recentemente de olhar para o outro lado da corrupção maciça, aqui cruza a linha que define uma democracia em funcionamento. Parece agora fazer sentido seguir o conselho do editor Michael Skolnik, que recomenda: “Parem de bobagens. Parem de desenhar linhas na areia como as gerações anteriores…”

Parece que agora, em todas as esferas da vida, a linha entre “verdade” e “mentiras” se tornou cada vez mais insignificante. Para citar o desafortunado Rudi Giuliani, ex-prefeito da cidade de Nova York e agora o principal advogado porta-voz de Donald Trump, “A verdade não é a verdade”, uma afirmação alucinante que é ainda mais selvagem do que um assalto anterior quando o porta-voz da Casa Branca caracterizou arrogantemente uma das mentiras habituais do presidente como “fatos alternativos”.

Essie Davis e Simon Russell Beale em cena de 'Jumpers' de Tom Stoppard. Foto: Times.

Filosofando sobre a absoluta necessidade da sociedade de respeitar linhas na areia (ou na grama para sua metáfora de tênis), um dos personagens da peça maravilhosa de Tom Stoppard, ‘Jumpers‘, proclama: “sem regras, a quinzena do Torneio de Wimbledon seria uma completa bagunça”. Estamos vivendo um momento de mudanças cósmicas para muitas dessas regras. Nem todos elas são ruins.

Linhas de distinções convencionais de gênero, embora artificiais e degradantes, foram positivamente vencidas pelo orgulho e pela conscientização da comunidade LGBT. Mas para muitos nessa comunidade e fora dela, não saber o que é interação “apropriada” e “inapropriada” é intrigante. 

A atriz Golda Rosheuvel está interpretando Otelo em uma produção aclamada na Inglaterra. Em uma entrevista “Guardian“, perguntada sobre como ela se sentiu sobre essa inversão de gênero do papel masculino tradicional ela disse: “Eles prefeririam não ver mudanças, mas esse Otelo faz parte da mudança. Ela é uma mulher que tem poder sobre todos esses homens, sobre toda essa testosterona. Como ela negocia isso? Ela vai mais longe e traz seu amante – Desdêmona – para essa arena. É uma coisa assustadora de se fazer.”

Golda Rosheuvel como Othello e Emily Hughes como Desdemona. Foto: Jonathan Keenan / The Time.

“Assustadora” é a palavra que está sendo usada cada vez mais quando paramos a gangorra apenas o suficiente para dar uma boa olhada no atual espetáculo de surrealismo em que estamos vivendo.

Temos Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil preso por corrupção (e se ele puder concorrer, de longe, é o candidato número um para o cargo nas próximas eleições de novembro) e Donald Trump, o presidente dos EUA, um conspirador ainda não acusado de ter praticado crime federal por usar meios ilegais para tentar comprar o silêncio de duas mulheres que alegam ter tido casos com ele, e isso não lhe lançou uma sombra perversa antes da eleição presidencial de 2016.

Arquivo pessoal.Agora temos a verdade que não é verdade, notícias que são tão falsas quanto verdadeiras e cada vez menos linhas culturais na areia aceitas e respeitadas pela maioria dos cidadãos e ensinadas como fundamentais em nossas escolas. Corremos o risco de nos tornar marinheiros, cuja bússola vai para o mar numa tempestade e fica flutuando ao vento.

Espero que você fique comigo como leitor desta coluna, diga-me com franqueza o que você gosta e não gosta e compartilhe a jornada de um gringo tentando entender o mundo em que vivemos. Até a próxima.

***
Peter Rosenwald mora em São Paulo e combina sua ocupação como estrategista de marketing para grandes empresas brasileiras e internacionais. Tem também carreira em jornalismo onde atuou por dezessete anos como crítico sênior de dança e música do ‘The Wall Street Journal’.

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