Por que gostamos de viajar? Quatro editores do ArchDaily respondem

Por que seres humanos viajam? Nesta edição do Editor’s Talk, quatro dos nossos editores do ArchDaily compartilham seus pensamentos sobre o que significa viajar para cada um deles. Desde o Chile, passando pelos Estados Unidos e até o Líbano, nossos quatro convidados de hoje nos convidam a refletir por que, todos nós devemos nos preocupar com cada uma das cidades que visitamos.

Nicolas Valencia: Viajar foi o nosso tópico do mês de junho. Durante aquelas quatro semanas, publicamos uma série edifícios, artigos e guias de arquitetura relacionadas ao turismo e a arte de viajar, e ainda assim, falamos muito pouco sobre as experiências pessoais do viajante. O que viajar significa para vocês?

Dima Stouhi: Eu nasci e cresci no Líbano e muito em breve estarei me mudando para a Suíça. Esta será a primeira vez que eu parto de meu país apenas com o bilhete de ida. Entretanto, viajar é algo incrivelmente importante para mim, uma ferramenta para conhecer novas culturas e para descobrir como as pessoas vivem em contextos diferentes ao meu.

Eric Baldwin: Costumo dizer que sou do interior, eu nasci e cresci na zona rural de Iowa, no meio-oeste americano. Minha compreensão de mundo, sobre diferentes culturas e maneiras de viver, foi muito limitada durante boa parte da minha infância e juventude. Na faculdade, isso tudo mudou e a minha visão de mundo se expandiu consideravelmente. Eu viajei bastante durante a minha formação, visitei lugares como a China, a Itália e a Grécia. Eu acredito que o contexto é tudo; e viajar é uma ótima maneira para expandirnos nosso contexto.

Christele Harrouk: Eu também sou libanesa, nasci em Beirute em uma família de raízes francesas. Eu sempre viajei muito mas ainda assim, eu nunca quis viver em outro país. Passei alguns meses aqui e ali, mas para mim, a idea de ‘casa’ sempre foi mais importante. Viajar me permitiu ver o mundo com outros olhos, e também me fez apreciar melhor tudo aquilo que eu tinha e que nunca havia me dado conta.

Nicolas Valencia: Ainda assim, viajar pode ser considerado um luxo nos dias de hoje.

Eric Baldwin: Viajar é algo que não têm preço para mim, mas não podemos esquecer que viajar pode ser terrivelmente destrutivo para o meio ambiente. De diversas formas, viajar é sim um luxo. Greta Thunberg, depois de atravessar o Atlântico em um barco ‘zero-emissões’, nos mostrou que uma outra abordagem é possível. O fato é que nossas atuais condições de viagem estão se tornando cada vez mais insustentáveis.

Dima Stouhi: Viajar é definitivamente um luxo. Especialmente para aquelas pessoas que como eu, precisam de um visto para entrar em qualquer lugar.

Se você viaja, você é um perdedor

Nicolas Valencia: Seguindo o tópico do mês de junho, publicamos naquela ocasião um controverso artigo intitulado The Age of Travel is Over. O autor afirma que “aquelas pessoas que viajam para ganhar a vida, são perdedores. E aquelas que viajam para conhecer o mundo, são inimigos do planeta.”

Eric Baldwin: Para mim, este artigo é um certo tipo de provocação. Viajar ainda é muito importante para todos nós, e isso não significa que não hajam outras maneiras de viajar. Ou que a gente siga ignorando que viajar não tenha nenhum tipo de impacto negativo no meio ambiente.

Christele Harrouk: Viajar é uma ótima forma de aprendizado, possivelmente a maneira mais genuína de obter informações. Mas na minha opinião, se não fizermos nada com essas experiências pessoais, elas passam a ser inúteis em um contexto mais amplo. Quanto mais pessoas eu conheço, mais certeza eu tenho de que a maioria delas, que fingem vagar pelo mundo afora, são extremamente fechadas dentro de si mesmas.

Dima Stouhi: Viajar hoje em dia significa mostrar as pessoas que você viajou, ou pelo simples prazer de sair por ai. Ninguém se preocupa muito sobre todos os impactos que podemos causar transitando aleatoriamente de um lado ao outro do planeta.

Nicolas Valencia: Dima tem razão. Viajar tornou-se uma espécie de meta-viagem: visite um lugar só para dizer que você esteve lá. Sou muito crítico com aquelas pessoas que ficam zanzando por ai sem de fato, conhecer os lugares que visita. Mas ai eu me pergunto: “por que outras pessoas deveriam viajar da mesma forma que eu?”

Dima Stouhi: É isso, é uma questão de perspectiva. Me parece impossível que as pessoas não aprendam nada com as suas viagens. Independentemente de nossas diferenças, algo disso tudo fica, um edifício, uma pessoa, um prato gostoso em um restaurante. Trata-se apenas do que as pessoas procuram enquanto viajam.

Eric Baldwin: Viajamos à trabalho, para explorar um lugar diferente, para visitar parentes ou amigos, para publicar a melhor foto do Instagram, para fugir de alguém ou de nós mesmos. Desde que nos questionemos sobre o por que disso tudo, e se o fizermos com responsabilidade, acredito que as viagens continuarão a ter significado. Sem considerar o lugar que estamos visitando, ser um “bom” ou um “mal” turista depende de nós mesmos, da nossa responsabilidade e perspectiva. Se você viaja apenas para escapar da rotina e prefere ir para uma praia deserta, independentemente da cidade ou do país que visita, isso é inerentemente ruim? Novamente, me parece uma questão de contexto.

Turismo para quem tem dinheiro

Enorme navio de cruzeiro sendo rebocado ao largo de Veneza. Foto: Getty Images.

Nicolas Valencia: Recentemente, a Bloomberg publicou um gráfico no Instagram chamando a atenção para o fato de que “os principais destinos turísticos estão cada dia mais abarrotados de gente”, especialmente na Europa. Por outro lado, vimos recentemente a cidade de Veneza banir grandes cruzeiros de transitar por sua lagoa. O que vocês acham disso tudo, e como outras cidades podem lidar com o turismo invasivo?

Dima Stouhi: Eu apoio a decisão de Veneza. Eu também estive no Vaticano durante a minha última visita à Itália em agosto do ano passado. Lembro que em um determinado momento eu só queria ir embora e fugir de todas aquelas pessoas. Não foi possível parar nem por um segundo para observar o espaço, a arquitetura. Mal conseguíamos nos mexer dentro da Capela Sistina. É entristecedor.

Eric Baldwin: Realmente é algo bem complicado. Tem a ver com a própria preservação do lugar. Por que, para salvar um monumento, precisamos relegá-lo ao turismo, desprovendo-o de seu uso e sua função? Mais uma vez eu volto a ideia de contexto. O que o turismo tem para oferecer a uma cidade e o que ela ganha com isso? A história tem algo a nos dizer: todas as cidades do mundo se transformam e evoluem com o passar dos anos, e por sua vez, o turismo também precisa mudar para continuar existindo.

Dima Stouhi: Mas Eric, nós nos preocupamos com a preservação porque conhecemos e apreciamos o valor histórico destes locais, mas a maioria das pessoas não pensam da mesma forma.

Eric Baldwin: Eu estou questionando o valor das cidades históricas. O que define a relevância de um lugar? Por que todo mundo precisa ver de perto as pirâmides do Egito? Esta é uma questão que diz respeito à nossa cultura, a quem nós somos. Por sua vez, isto tem tudo a ver com as razões pelas quais escolhemos viajar para um ou outro lugar.

Nicolas Valencia: Países como a Espanha dependem economicamente do turismo – o setor responde por cerca de 13% do PIB nacional. É difícil dizer quanto a economia de uma cidade é dependente do turismo. De qualquer forma, eu assumiria que restringir o acesso aos turistas acabará punindo apenas as pessoas com menos condições.

Christele Harrouk: Bem, eu não tenho tanta certeza disso. Talvez não seja o caso de restringir, mas organizar melhor as coisas.

Dima Stouhi: Não me parece uma solução viável somente aumentar os preços e restringir o acesso. Eu concordo com o que a Christele disse: talvez uma melhor organização possa fazer a diferença neste caso.

Christele Harrouk: As próprias cidades devem ser responsáveis: elas precisam entender melhor a sua própria situação. Não é difícil, mas é preciso começar a agir. Mudanças nas estratégias de marketing, por exemplo, podem reduzir indiretamente a concentração de turistas em um único local, organizando e direcionando o fluxo de pessoas em determinados horários, possibilitando ainda que novas áreas cresçam e se desenvolvam.

Nicolas Valencia: Caso eu visite Veneza, eu quero visitar o centro, não um bairro qualquer nos arredores da cidade.

Christele Harrouk: Mas se na periferia for construído um edifício de Zaha Hadid, você poderia visitá-lo, passando menos tempo no centro da cidade.

A cidade como marca

Loja de souvenires em Times Square, Manhattan, Nova York. Foto: Roman Tiraspolsky.

Nicolas Valencia: Nós falamos bastante sobre a Europa, mas e a América Latina? África? Ásia? Quem de vocês já visitou estes outros continentes?

Dima Stouhi: A viajem dos sonhos é sempre a mais cara!

Nicolas Valencia: Nós, latinoamericanos, estamos mais preocupados em visitar a Europa e os Estados Unidos do que o nossos países vizinhos. Isso sem falar que os preços das passagens para estes países caíram muito nos últimos anos e está mais barato do que nunca viajar pela América Latina.

Christele Harrouk: Talvez este seja um fenômeno global. Você não acha que é aí que surge a ideia de ‘city branding’?

Nicolas Valencia: Certamente, uma cidade vista como uma marca faz com que as pessoas queiram visitá-la. Mas o que me assusta um pouco é que, depois de passar uns dias numa cidade dessas, as pessoas sintam que a conhecem desde sempre. Cada um de nós é um mundo à parte, com suas idéias e expectativas, portanto, um homem gay que visita uma cidade depois de se separar pode ter uma experiência totalmente diferente de uma mulher heterossexual que se apaixona na mesma cidade. O que eu quero dizer é que cada um percebe o lugar à sua maneira, de acordo com a sua experiencia naquele momento, ou seja, essas narrativas nunca serão universais.

Dima Stouhi: Eu acredito que estas suposições fazem parte de quem nós somos. Tudo aquilo que for diferente daquilo que estamos acostumados pode ser visto como um problema ou uma falha.

Eric Baldwin: Talvez isso seja algo que nunca vá mudar. As pessoas que estiveram em um determinado lugar têm, inerentemente, uma perspectiva mais ampla daquelas que nunca estiveram lá. Por outro lado, cada um de nós possui as suas próprias limitações. Acredito que o estereótipo que surge depois de uma visita, sempre existiu e sempre existirá, pois a identidade está sempre ligada à viagem e a nosso contexto. A forma com que esse contexto é moldado pode se dar de inúmeras maneiras, e no fim, é ele que define quem nós somos e a maneira com que nos relacionamos com o mundo.

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Por Nicolas Valencia no Arch Daily.

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