Portugal vai acabar?

Os indicadores agora anunciados mostram que setembro é o mês com o maior número de nascimentos (viva os virginianos!) e janeiro aquele com o maior número de óbitos. O comentário pode ser até meio mórbido, mas não há nada mais verdadeiro do que o “ano novo, vida nova”, se pensarmos apenas naqueles primeiros encontros do óvulo com o espermatozóide que irão ser os responsáveis pelos nascimentos nove meses depois, em setembro. É aquele clima de amor, confraternização, promessas de ano novo, espumante, vinho… e por aí vai. E as mortes de janeiro? Reencarnação não é a minha especialidade, tampouco sei dizer se existe ou não, apesar de respeitar os que acreditam e os que não creem. Mas quem sabe os que morrem em janeiro assim o fazem para já engatar naquela fecundação de ano novo e voltar numa reencarnação em setembro?

Bom, sem querer entrar nesse tema para não melindrar ninguém e não falar bobagens, a realidade é que nos últimos 30 anos a população portuguesa de até 17 anos de idade passou de pouco mais de 2,5 milhões de pessoas para cerca de 1,7 milhão, o que confirma o envelhecimento contínuo ao longo dos anos. Além disso, os primeiros filhos hoje nascem de mães cinco anos mais velhas do que três décadas atrás, o que também pode reduzir o impulso para encarar o segundo baby. 

Mas o que mais pega mesmo, de acordo com todos os levantamentos, é a questão financeira. A maioria dos portugueses já declarou preocupação com a taxa de natalidade, o que acaba gerando grandes discussões e propostas para que sejam criadas medidas de incentivo àqueles que pretendem aumentar a família, como maior apoio financeiro do estado e aumento da licença maternidade/paternidade, por exemplo. Estudo realizado em 2013 pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) mostra que, em média, os casais portugueses têm 1,03 filho e na verdade desejariam ter 2,31 filhos (se tivessem condições financeiras). O recém apresentado orçamento do Estado prevê mais de 1 bilhão de euros para incentivo à natalidade, direcionados principalmente para o subsídio à creche e para o pagamento integral das faltas ao trabalho motivadas por doença ou acidente dos filhos. De acordo com o Banco de Portugal, cada filho custa em torno de 300 euros por mês, o que é praticamente meio salário mínimo em Portugal.

Em média, os casais portugueses têm 1,03 filho e na verdade desejariam ter 2,31 filhos. Foto: Correio da Manhã.

E se há aqueles que ainda sonham com uma família com mais de dois filhos, um outro levantamento com quase 1.200 pessoas sinaliza também uma outra tendência: 15% dos entrevistados não querem filhos e 75% dos que já tem um, preferem não ter mais. Uma observação simples no meu ainda restrito círculo de amizades por aqui mostra pessoas mais alinhadas com este estudo. Os casais mais novos, na faixa entre os 25 e 30 anos, nem sonham em aumentar a família. Já ouvi também das mulheres entre os 35 e 40 que o filho não está nos planos. E vejo muitos casais com filho único. Famílias com mais de 2 filhos? É provável que seja imigrante. Em 2018, 10% de todos os bebês nascidos em Portugal era de mãe estrangeira. Ao longo de pouco mais de duas décadas, o nascimento de crianças de mães estrangeiras residentes em Portugal cresceu cerca de 300%, enquanto o número de bebês portugueses caiu pouco menos de 20%. Daqueles 87 mil nascimentos mencionados no início do texto, mais de 9 mil eram de mães estrangeiras.

Para complicar mais essa matemática dos saldos positivos e negativos de nascimentos e mortes, há também o efeito entra e sai de estrangeiros e portugueses. Nós, brasileiros, seguimos vindo e somos a maior turma de estrangeiros, com mais de 100 mil brazuquinhas por aqui, mais ou menos um quarto de toda a população estrangeira. O que acontece, é que ainda há muito português deixando o país em busca de outras oportunidades, apesar de um movimento grande para criar benefícios que estimulem a volta dos que deixaram a terrinha (escrevi sobre isso há algumas semanas). Dados da Fundação Pordata mostram que em 2018 mais de 80 mil portugueses saíram do país com a intenção de não retornar antes de um ano, o dobro do número de entradas de imigrantes.

Ainda há muito português deixando o país em busca de outras oportunidades. Foto: 360 Meridianos.

Nesse ritmo, as previsões que apontam que Portugal terá, em 2050, quase metade da população com mais de 55 anos devem ser cumpridas sem grandes alterações, posicionando-o como o país com a população mais velha da União Europeia. Também deveremos ter menos gente por aqui: nas próximas 5 décadas a expectativa é que a população fique cerca de 20% menor, ou seja, caia dos atuais 10 milhões para algo como 8 milhões de pessoas em 2070.

O tema é complexo e tem estampado páginas dos principais veículos de comunicação do país, bem como recebido a atenção de institutos de pesquisa, fundações e do governo. Eu não sou especialista em movimentos migratórios ou taxas de nascimento e falecimento, mas cuidado com o mês de janeiro… São os 30 dias mais férteis e letais do ano.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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