Praça da Liberdade, um dos símbolos de Belo Horizonte, vai ganhar projeto de restauração

Conforme fonte ouvida pelo jornal Estado de Minas, a ação vai contemplar a recuperaçã de equipamentos e a revisão do paisagismo, de forma a preservar o espaço inaugurado em 1897 e tombado há 40 anos pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O local sofre os impactos do tempo, do uso constante e de atos de vandalismo.

No alvo dos serviços a serem conduzidos em parceria estão os jardins, atualmente castigados, a escultura em mármore Moça mirando o espelho d’água – que está quebrada e cujo lago apresenta rachadura –, a iluminação, o coreto recentemente pichado e outras áreas da praça, epicentro do Circuito Liberdade, com 15 equipamentos culturais. “Seria impossível fazer a intervenção em dezembro, quando o local recebe as luzes do Natal, ou no período de chuvas”, disse o especialista ouvido pelo EM, explicando que, durante o anúncio oficial, será divulgado o calendário de obras.

Na sexta-feira a praça voltou a ser o centro das atenções urbanas, depois que Fernando Pimentel desativou o Palácio Tiradentes, na Cidade Administrativa, inaugurada em 2010 no Bairro Serra Verde, em Venda Nova, e declarou novamente o Palácio da Liberdade como sede do Executivo estadual – desde 2015, o governador petista despacha no prédio centenário, em estilo eclético com influência neoclássica, que data da época da fundação da capital.

O local foi adotado e totalmente recuperado pela mineradora Vale em 1991, seguindo o estilo paisagístico de sua primeira reforma, datada da década de 1920, ano da visita dos reis da Bélgica a BH. O pioneirismo na adoção virou referência e sedimentou o Programa Adote o Verde, iniciativa municipal que permite a empresas, instituições e indivíduos adotar e revitalizar espaços públicos municipais.

Também na semana passada a praça voltou a ser notícia, com o estado de degradação de seu coreto, uma das referências do conjunto, que foi alvo de pichadores. Sujo pelos vândalos com tinta spray preta, o monumento foi reinaugurado em 2013, depois de dois anos interditado. Hoje, a cada lado da estrutura o visitante sente falta de um detalhe. Em 2010, foi furtada a placa de bronze medindo 60cm x 40cm, que identificava o busto do imperador dom Pedro II (1825-1891). Na época, a Associação dos Amigos da Praça da Liberdade (Apraliber) deu o grito, mas o sumiço parece ter caído no esquecimento.

Braço quebrado

Foto: Gladyston Rodrigues / EM / DA Press.

De tão bonita e refinada, a escultura Moça (foto) mirando o espelho d’água, que não consegue atualmente refletir tanta beleza na água escura empoçada, se transformou em um dos pontos preferidos dos visitantes para fotos e selfies. Muitos se entristecem ao ver a estátua com o braço quebrado e o vaso faltando um pedaço. Na tarde de quarta-feira, o estudante de direito Luiz Fernando Vilela Leite, de 23 anos, que mora nas proximidades, fez um registro fotográfico e lamentou o estado de degradação, que, aliás, é recorrente. “Gosto demais daqui, venho diariamente. Pena estar assim, pois incomoda a gente”, afirmou o jovem, adepto de caminhadas e contemplação do espaço.

Diversidade

Visitantes meditando, outros passeando com cachorros, casais apaixonados nos bancos das alamedas, turistas de câmera ou celular em punho, atletas em exercício ou gente simplesmente curtindo – tem de tudo e de todos na Liberdade, apelidada de “Liba” pelas tribos variadas de jovens que a frequentam. Com seu trompete, o aposentado Luiz Antônio Carvalho, nascido no Bairro Floresta, na Região Leste de BH e hoje morador do distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, na Grande BH, quebra o silêncio da tarde com sucessos de Frank Sinatra (Strangers in the night) e músicas compostas por Tom Jobim (como Insensatez).

“Venho a vida inteira. Acho a praça bem conservada, e é preciso ser bem tratada. O problema é que há muitos eventos: as pessoas participam, mas pisoteiam a grama, destroem os jardins”, afirma Luiz Antônio. Ao ouvi-lo, o gestor comercial Marcus Carvalho, morador de Americana (SP) e a trabalho, em BH, contou sua curta experiência na cidade. “Estou tranquilo, achei o Centro da cidade seguro, desde o momento em que cheguei à rodoviária. Gostei também de ver a limpeza, e esta praça é linda”, comentou o paulista.

Marco no tempo e no espaço

1894
Palácio da Liberdade, em estilo eclético com influência neoclássica e marco da Praça da Liberdade, sai da prancheta de José de Magalhães.

1920
Visita dos reis da Bélgica a Belo Horizonte. A Praça da Liberdade passa pela primeira grande reforma.

1942
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Praça da Liberdade se torna palco de grandes manifestações contra Alemanha, Itália e Japão. O estopim ocorre quando mais de 50 navios brasileiros, em águas nacionais, são torpedeados por submarinos alemães.

1951
Depois de nomeado prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek se elege governador de Minas. No dia da posse, ele desfila em carro aberto pela Alameda das Palmeiras (foto).

 Foto: Eugênio Silva/O Cruzeiro / EM / DA Press - 3/3/1951.1960
Em 31 de julho, multidão festeja a consagração de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais no local. A proclamação ocorrera dois anos antes, em Roma, pelo papa João XXIII.

1969
Criada a Feira de Artesanato da Praça da Liberdade, que ficou conhecida como Feira Hippie.

1979
Em 29 de maio, professores que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho são expulsos pela polícia, que usa jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo.

1985
Falecido em 21 de abril, o presidente Tancredo Neves é velado no Palácio da Liberdade. Na época, a grade do palácio cedeu à pressão da multidão que se comprimia às portas da sede do governo. Houve gente pisoteada e sete mortos (foto).

Foto: Antônio Vargas / Divulgação - 23/4/1985.

1991
Começa o projeto de restauração do espaço, a cargo da arquiteta Jô Vasconcellos. A avenida Afonso Pena se torna o novo endereço dos feirantes.

1997

Em 24 de junho, o cabo da PM Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, é assassinado na praça, com um tiro na cabeça. Ele era um dos líderes de passeata por melhores salários.

2010
A sede do governo de Minas é transferida para a Cidade Administrativa, no Bairro Serra Verde, na Região de Venda Nova.

2018
Governador Fernando Pimentel volta a despachar oficialmente no Palácio da Liberdade. 

Praça e  Palácio da Liberdade em Belo Horizonte/ Foto: Divulgação.Palco escolhido pela história

Espaço de histórias, lutas, conquistas e lazer, a história de Minas – e do Brasil, por que não? – passa necessariamente pela Liberdade. Ao longo de décadas, ali foi o palco de todos os tipos de manifestação: políticas, sociais, religiosas, culturais e cívicas. O espaço de 120 anos, que também abrigou cerimônias fúnebres e festivas, não perde o posto de marco estratégico no município: especialistas explicam que, ao projetar a nova capital, a comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis escolheu o ponto mais alto para receber a sede do poder estadual.

Não custa lembrar que, além de lugar charmoso, a praça é síntese de vários estilos arquitetônicos, como os prédios das antigas secretarias de Fazenda e Educação e Obras e Vias Públicas, da época da construção; ou o Edifício Niemeyer e a Biblioteca Pública, projetados pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1906-2012). Da lavra contemporânea, pontifica o Rainha da Sucata, da década de 1980, do arquiteto Éolo Maia (1942-2002).

Entre os fatos marcantes, os pesquisadores chamam a atenção para os milhares de mineiros que compareceram à praça para bradar contra os países do Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão, durante a Segunda Guerra Mundial. Outra data que entrou para a história do espaço foi 29 de maio de 1979, quando professores, a maioria mulheres, que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho foram expulsos pela polícia da praça. Os militares usaram jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo para forçar os educadores a bater em retirada.

Um dos momentos mais marcantes do complexo foi o velório, no Palácio da Liberdade, do ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985), morto em 21 de abril de 1985. Em meio à comoção geral, a grade que protegia a sede do governo arrebentou devido à pressão da multidão. Sete pessoas morreram. Na sacada do palácio, a viúva Risoleta Neves (1917-2003), com voz embargada, pedia calma aos mineiros, em um apelo dramático para conter o povo aglomerado que queria se despedir do ex-presidente. Outra cena que ficou gravada na memória dos mineiros foi o assassinato, com um tiro na cabeça, do cabo da Polícia Militar Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, que liderava passeata por melhores salários na corporação em 1997.

Mas a alegria também dominou a praça, que teve grandes celebrações. Entre os mais marcantes estão a posse do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), em 1951; a aclamação de Nossa Senhora da Piedade, em 1960, como padroeira dos mineiros; e bem antes de todos esses fatos, nos idos de 1920, a recepção aos reis da Bélgica.

***
Por Gustavo Werneck em O Estado de Minas.

 

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