Mesmo a mais de 11 mil quilômetros de sua terra natal, Rami Othaman, 30, não deixa de lado as tesouras, navalhas e máquina. No Brasil desde março, o refugiado palestino nascido na Síria faz barba, cabelo e bigode na Ocupação Leila Khaled, criada pelo Movimento Terra Livre com o apoio do Mopat (Movimento Palestino para Tod@s) no bairro da Liberdade, no centro da cidade de São Paulo. “Abrir um salão aqui é um sonho meu”, fala em entrevista ao UOL.
Morador do antigo campo de palestinos Yarmouk, na região da capital síria Damasco, o cabeleireiro começou a trabalhar em um salão aos 7 anos de idade, durante as férias escolares. “Um primo meu tinha um salão e eu varria o chão para ele”, narra. Fez seu primeiro corte aos 14 anos sem receber qualquer tipo de instrução formal. “Eu fiquei vendo o meu primo trabalhar, então fui pegando a prática”.
Rami abriu seu primeiro salão próprio aos 20 anos, mas teve que deixá-lo de lado por um tempo ao ser convocado para o serviço militar por dois anos no Exército de Libertação Palestina. “Cheguei a ir para a universidade de Teologia Islâmica, mas não conclui”, diz. “Voltei para o salão e, em 2011, começou a guerra na Síria. Trabalhei ainda um ano e meio no meio do conflito, mas depois ele começou a chegar em Yarmouk”.
“Abrir um salão aqui é um sonho meu”, fala o cabeleireiro Rami. Foto: Junior Lago / UOL.
O sírio deixou seu país natal quando um cerco foi criado em volta do campo de refugiados. “Esvaziaram o lugar após vários ataques de mísseis. De 2012 até hoje, o campo está completamente vazio”, fala, ressentido. Ele foi para o Líbano, onde viveu por três anos. “Abri mais um salão, mas a guerra começou a chegar lá também”, conta. A decisão para vir para o Brasil surgiu após o irmão dele dizer que a situação aqui era melhor.
Rami tem CPF e carteira de trabalho graças à Resolução 20, medida criada em parceria do Comitê Nacional de Refugiados (Conare) e do Alto Comissariado para Refugiados (Acnur), que concede visto especial para as pessoas afetadas pelo conflito na Síria, sejam elas sírias, palestinas ou curdas.
Com a documentação em dia, Rami conseguiu um emprego como cabeleireiro em um salão no Sacomã, na zona sul de São Paulo. Ele aprendeu um pouco de cortes femininos, mas precisou largar o trabalho para ajudar o irmão, que estava fazendo comida típica árabe por encomenda. “Por isso decidi começar a cortar o cabelo aqui mesmo, na ocupação”.
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Natália Eiras do UOL em São Paulo.