‘Ruas e memória’; direitos humanos e cidadania

Homenagear agentes da ditadura militar com nomes de ruas e praças não faz sentido em uma cidade que se pretenda democrática .
 
Em 2015, completaram-se 51 anos do golpe de Estado de 1964, que instalou no país uma ditadura militar severamente marcada pelo autoritarismo e por graves violações aos direitos humanos. Ao resistir ao regime autoritário e tentando restabelecer as liberdades civis e políticas, milhares de pessoas foram presas, torturadas e assassinadas. Muitas permanecem desaparecidas.
 
Um cenário de atrocidades que demandou do poder público ações concretas e propositivas para elucidar a verdade e resgatar a memória desse período, a exemplo dos trabalhos realizados pela Comissão Nacional da Verdade e demais comissões estaduais e municipais.
 
Em São Paulo, município que concentra quase um quarto de todos os mortos e desaparecidos do Brasil, o legado autoritário da ditadura se manifesta mais intensamente. Expressa-se, por exemplo, na maneira como os paulistanos se relacionam com os espaços públicos, na dimensão física e simbólica.
 
A cultura do medo gerada pela repressão fez com que a rua, como expressão do exercício da cidadania, esmaecesse. Locais do encontro e da coletividade foram desmantelados para evitar focos de resistência, o que contribuiu para transformar o espaço público em mero entreposto entre casa e trabalho.
 
Mais que isso, nossas ruas, avenidas, praças, escolas e ginásios foram nomeados em homenagem aos que colaboraram diretamente com a repressão e violência de Estado.
 
Um recente levantamento feito pela Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania revela que há 17 ruas com nomes de pessoas diretamente vinculadas a violações de direitos humanos e outras 20 com nomes de pessoas que sustentaram o regime autoritário. Homenagens que não fazem sentido em uma cidade que se pretende democrática.
 
Para inspirar as novas gerações e ressignificar esses espaços conforme estabelece o Plano de Ocupação do Espaço Público pela Cidadania, fomentado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o prefeito Fernando Haddad lançará nesta quinta-feira (13) o programa Ruas de Memória.
 
A exemplo de Espanha, Alemanha e África do Sul – que conduziram processos de retirada dos símbolos ligados ao franquismo, ao nazismo e ao apartheid – e conforme o relatório final da Comissão Nacional da Verdade e do Plano Nacional de Direitos Humanos, o projeto pretende remover dos espaços públicos referências a fatos ou pessoas envolvidas em graves violações. Esses serão substituídos por homenagens aos que dedicaram suas vidas à defesa dos direitos humanos, promoção da igualdade social e consolidação da democracia. 

 
Combater legados do autoritarismo, retirando essas denominações e não permitindo que novas equivalentes sejam feitas, é imprescindível para construir a memória histórica do país a partir da valorização da cultura democrática. 

 
Com o programa Ruas de Memória, esta gestão reafirma o compromisso com a construção de uma São Paulo democrática, plural e livre. 
 
Eduardo Matarazzo Suplicy, 74, é secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e professor de economia da FGV e da USP-Leste. Foi senador pelo PT-SP (1991-2014).
Carla Borges, 31, é coordenadora de políticas de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
Marília Jahnel, 32, é coordenadora de Promoção do Direito à Cidade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

Texto publicado neste dia 13 de agosto, na Folha de S. Paulo / Opinião.

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