‘SampaPé’: o movimento por trás da abertura da Paulista para pessoas

Todo médico diz que andar faz bem para a saúde. A atividade previne doenças, melhora a pressão arterial e até queima calorias. Mas caminhar também traz benefícios para as cidades, em especial para as metrópoles. É que o transporte a pé aproxima as pessoas da cidade e tem um grande potencial de transformação urbana. Esse foi um dos aprendizados do SampaPé, movimento que quer melhorar a experiência do deslocamento a pé pela cidade. Desde 2012, o grupo faz passeios por São Paulo e incentiva a criação de políticas públicas a favor dos pedestres. A abertura da avenida Paulista para pessoas aos domingos, em 2015, é uma de suas grandes conquistas.

A primeira ação do projeto foi um passeio cultural pelo bairro do Bixiga, na região central da capital, em 2012. A ideia era bem simples: levar as pessoas para andar pelas ruas e mostrar atrativos e curiosidades do bairro. A caminhada terminava na Festa de Nossa Senhora Achiropita, uma comemoração tradicional que traz o melhor da culinária italiana para as ruas da região. “A festa já tem essa lógica de ocupação do espaço público, então tinha tudo a ver”, conta Letícia Sabino, que fundou o projeto com mais três amigos. Eles saíram, mas ela ficou e hoje conta com duas parceiras, Ana Carolina Nunes e Nara Rosetto, além de fazer mestrado na área de planejamento urbano na University College London (UCL), na Inglaterra.

 

Pernadas pela cidade

O início do movimento foi inspirado nas andanças de Letícia pela Cidade do México, onde fez intercâmbio por seis meses. Foi a primeira vez que ela deixou de lado o carro, seu principal meio de transporte em São Paulo. A mudança no ir e vir fez Letícia viver a Cidade do México com mais intensidade. “Por mais que usasse ônibus e metrô, a maior parte do deslocamento no meu bairro era a pé, e eu tive uma relação muito próxima com a cidade, me encantei por ela. Depois entendi que foi porque estava caminhando”.

Na volta para São Paulo, resolveu desistir de vez do carro. “Foi muito mágico. Eu estudava na Avenida Paulista e nunca tinha reparado na arquitetura dos prédios. Foi uma sensação diferente, de que agora eu conheço a minha cidade, e quero me empoderar, ver o que eu posso fazer pela minha cidade”, lembra. A vontade de passar essa experiência para mais pessoas foi a inspiração para criar o SampaPé. “No começo eu não tinha consciência de que andar a pé era um meio de transporte. Mas um mês depois a gente entendeu que estava dentro de toda uma discussão de deslocamento em uma cidade tão grande”.

Os primeiros passeios tinham um viés mais cultural e os participantes não interagiam muito com os espaços durante o caminho. Letícia conta que eles só paravam e observaram os lugares apontados por ela. Para desconstruir essa postura passiva e abrir os olhos das pessoas para a cidade, o jeito foi inventar ferramentas simples e divertidas, como as molduras de papel coloridas que foram entregues em uma caminhada no seminário Cidades a Pé, em novembro de 2015.

Antes de bater perna pelo bairro de Pinheiros, onde aconteceu o evento, Letícia entregou dois tipos de molduras que deveriam ser usadas nos registros fotográficos. A vermelha sinalizaria problemas e obstáculos: lixo na rua, buraco na calçada, carros bloqueando a faixa de pedestres. Já a verde mostraria pontos positivos: um canteiro de flores, grafites nos muros, bancos para descansar. “Porque o caminhar não é uma coisa entre o ponto A e o ponto B, mas sim os infinitos pontos no meio do caminho que você vai percorrendo”, reflete.

 

Ruas para pessoas

“Você já interagiu com a sua cidade hoje? Você já experimentou seus caminhos, segredos e histórias?” O convite estampado na página oficial do SampaPé resume bem a proposta do grupo de explorar o espaço urbano com um olhar mais atento, tanto para os problemas quanto para as possíveis soluções. “A gente acredita que o caminhar torna as pessoas mais cidadãs”, diz Letícia. Transformar o espaço público em uma área de convivência desperta a consciência das pessoas para a necessidade de lugares melhores para se caminhar.

Essa mudança de mentalidade é a maior conquista do grupo. Antes de pensar na transformação efetiva dos espaços, o foco é conscientizar as pessoas sobre a importância de pensar na “caminhabilidade” da cidade. Um dos momentos mais importantes para o projeto foram as manifestações de junho de 2013 contra o aumento da passagem de metrô e ônibus, que trouxeram à tona a discussão sobre transporte, ocupação das ruas e o direito de ir e vir. “Foi quase uma chavinha que virou na cabeça das pessoas. Quando eu falava: ‘quero que as pessoas andem mais na rua’, diziam que eu era louca, que a cidade não estava planejada para caminhar”. A loucura passou a ser uma solução não só possível como necessária.

Outra grande vitória do SampaPé, compartilhada com a rede de mobilização Minha Sampa, foi a abertura da Avenida Paulista para pedestres aos domingos, decisão do prefeito Fernando Haddad que passou a valer em 18 de outubro de 2015. Três anos antes, o grupo tinha pedido autorização da CET para abrir a via para as pessoas no Dia Mundial Sem Carro, comemorado em 12 de setembro, sem sucesso. Na mesma época, outro grupo organizou a Praia na Paulista, também no Dia Mundial Sem Carro, com a mesma proposta de ocupar o espaço.

As negociações para abrir a avenida continuaram no ano seguinte, sem sucesso. “Então a gente foi invadindo, conseguiu fechar só uma parte da via, para fazer essa discussão de que a rua é um espaço publico também.” Em 2014, o SampaPé se uniu ao Minha Sampa e começou uma movimentação na internet para reunir mais pessoas e pressionar as autoridades pela abertura da Avenida Paulista. “A gente ia todo domingo e ficava na calçada mesmo. Fizemos reuniões com as secretarias de Transportes, de Esporte, de Turismo, mas ninguém comprou muito a ideia”.

O cenário só mudou com a inauguração da ciclovia na avenida, no dia 28 de junho de 2015. O evento fez com que a via fosse fechada para carros pela primeira vez, para atender à demanda de pedestres e ciclistas que estariam circulando por ali. Mais de 50 mil pessoas prestigiaram o primeiro dia da Paulista aberta para as pessoas, e quem passou em frente ao conhecido antigo casarão próximo à rua Ministro Rocha Azevedo viu e interagiu com uma série de atividades preparada pelo SampaPé e seus parceiros para a ocasião, como roda de leitura para crianças, intervenções com tinta spray e mesa de ping-pong do Ping Point. “Foi o gancho para as pessoas perceberem que precisavam de mais espaços de lazer. O apoio cresceu exponencialmente, de todo mundo e da própria Prefeitura”, lembra Letícia.

A decisão foi alvo de críticas e está sendo questionada pelo Ministério Público, que decidiu multar a Prefeitura pelo fechamento da via para carros. “Se tornou um tema muito polêmico, sendo que são três quilômetros de via numa cidade desse tamanho”, pondera Letícia, questionando o argumento de que é preciso manter a Avenida Paulista aberta para carros o tempo todo. Com ou sem polêmica, essa ação é um modelo a ser seguido pelo SampaPé, segundo sua fundadora. “A gente tem muito essa visão da abertura das vias, algo mega inspirado pelo movimento dos ciclistas em São Paulo. Eles começaram com a ciclovia de lazer, e daí surgiu uma infraestrutura adequada, uma discussão. A rua de lazer leva a essa nova consciência, que vai reivindicar uma melhor estrutura para caminhar na cidade todos os dias.”

Mais de três anos depois de dar os primeiros passos, o SampaPé contribui para melhorar a vida do pedestre paulistano e mostra que é possível e necessário andar pela cidade. Agora a iniciativa passa por um momento de reestruturação para descobrir formas de financiamento além dos passeios pagos, e se aproximar mais do poder público para investir em ações de grande impacto como a Paulista Aberta. “O alcance ainda é pequeno dentro da realidade da cidade. A gente precisa converter mais gente para esse movimento da melhoria urbana”, conclui Letícia.

 

Como se sustenta financeiramente: A principal fonte de renda do movimento são os passeios pagos, mas a ideia é se transformar em ONG para vender projetos, poder receber doações e fazer convênios com secretarias municipais.

Dificuldades: Tamanho da cidade, relação com poder público e falta de consciência das pessoas sobre a importância da mobilidade a pé

Planos para o futuro:

– Fazer mais pessoas andarem pela cidade

– Criar formas divertidas e simples de aproximar as pessoas do espaço público

– Apoiar e incentivar a abertura de vias como a Avenida Paulista aos domingos

– Se aproximar mais do poder público, por exemplo promovendo caminhadas com Prefeito, Subprefeitos e secretários de áreas correlatas à mobilidade a pé.

Saiba mais e assista o vídeo aqui.

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Texto e fotos  em Formigueiro

 

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