São Paulo perde Sígrido Levental, pianista, professor visionário e pioneiro na formação de músicos

 
Aos 76 anos, ele foi uma das figuras centrais da vida musical paulistana e brasileira desde os anos 1950. Educador responsável pela formação de gerações de músicos, foi também o criador do Conservatório Musical Brooklin Paulista, diretor do Festival de Inverno de Campos do Jordão e um dos idealizadores do projeto da Universidade Livre de Música. Seu velório foi realizado no Theatro São Pedro, ontem, das 19h às 23h, e ele será cremado hoje no Cemitério da Vila Alpina. Às 13 horas, músicos vão subir ao palco do teatro para uma homenagem ao professor.
 

Sígrido nasceu em Santos, em 1941. Aluno de piano de Luísa Gelli Jacoponi e Oraída do Amaral Camargo e, mais tarde, de José de Souza Lima, fez sua estreia profissional aos 13 anos, em recital no Clube XV. Anos depois, já em São Paulo, atuaria como recitalista e solista, ao lado de maestros como Camargo Guarnieri, com quem fez sua estreia no Theatro Municipal de São Paulo em 1958. “Eu não me lembro se em algum momento considerei ter uma carreira como solista”, me disse ele em uma entrevista em 2015. “Na verdade, desde cedo, já em Santos, havia uma preocupação em, além de tocar, de encontrar novos espaços não só para mim mas para meus colegas, um lugar onde pudéssemos mostrar o que fazíamos como intérpretes.”

Esse olhar, que ia além da própria carreira e se abria em direção à criação de um meio musical mais amplo, pautaria sua atividade durante toda a sua trajetória. E acabaria fazendo com que ele se dedicasse a um outro aspecto: a formação musical. Nos anos 1950, ainda não existiam os departamentos de música ligados a universidades ou escolas ligadas ao poder público. E foi com o objetivo de suprir essa lacuna que, naquele momento, Sigrido criou o Conservatório Musical Brooklin Paulista, por onde passariam centenas de músicos que hoje integram as principais orquestras brasileiras além de maestros como Fabio Prado, Fabio Mechetti e Abel Rocha.

O que chama a atenção na atividade do conservatório não é apenas a qualidade da formação técnica, garantida pela presença de grandes professores. Mas o conceito que pautava a formação de um músico. Para Sigrido, o ensino não poderia se limitar apenas à técnica, sendo acompanhado de uma reflexão sobre o próprio fazer musical. Para tanto, ele entendia como missão da instituição fomentar a música de câmara, considerada a base de uma vida musical sólida; oferecer o estudo da história da música; e pensar o fazer musical em diálogo com outras artes. Além disso, havia uma preocupação especial com a criação contemporânea. Hans-Joachim Koellreuter, Osvaldo Lacerda, Régis Duprat, Mário Ficarelli ou Aylton Escobar são apenas alguns dos nomes que fizeram do conservatório um ponto de encontro, estimulando o contato entre criador e intérprete. Mais: com recursos próprios, Sígrido criou ainda a editora Novas Metas, que lançou livros e também partituras de obras contemporâneas.

“O conservatório foi um ponto de encontro entre instrumentistas e compositores de diferentes gerações, preocupados em pensar uma nova música e sua relação com a sociedade. Isso é importante. Sígrido é um visionário, sua atividade foi sempre pautada pela vontade de transformar. Ele plantou perguntas e ideias que transformaram a nossa vida musical”, disse Aylton Escobar em 2014 ao Caderno 2.

Nos anos 1980, Sígrido passou a atuar na esfera pública, levando este corpo de ideias a projetos como o Festival de Inverno de Campos do Jordão, no qual atuou entre 1984 e 2003. Neste ano, passou a integar a direção da Universidade Livre de Música, repensando, com Escobar e a professora e pianista Aída Machado, o projeto didático da instituição. Entre 2004 e 2007, atuou também na criação e do estabelecimento do Projeto Guri. Em 2006, se uniu à Fundação Osesp, como coordenador geral de Atividades Educacionais, trabalhando no nascimento da Academia da Osesp.

Uma nota pessoal

Ao longo de 2015, realizei, a pedido da família e de amigos, uma série de entrevistas com Sígrido, destinada a preservar seu corpo de ideias e as experiências de mais de meio século de trabalho ligado à música. A saúde debilitada nem sempre facilitava o fluxo da memória; as datas se embaralhavam vez ou outra. Mas não falhava, em momento algum ao longo de nossas conversas, a firmeza com que defendia uma compreensão humanista do que é um músico, a valorização do trabalho do artista e o investimento em formação como a única saída para a transformação do meio musical – e da sociedade. Da mesma forma, recusava qualquer esboço de autocongratulação por tudo o que realizou. O que fazia, me disse certa manhã, era apenas abrir espaço e oferecer condições para que o talento pudesse se desenvolver:

“É isso que deve fazer um professor. Sempre.”

Não é pouco. 

***
Por João Luiz Sampaio no Estadão.
 

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