Sua contribuição foi imensa, mas quero destacar sua generosidade como orientador. O Lúcio foi para mim um verdadeiro pai intelectual.
Acolheu a mim e a Raquel Rolnik (arquiteta e urbanista), quando ainda eramos estudantes de graduação, meio hippies, com uma dedicação que me deixa agora com lágrimas. Lembro de quando fomos conversar com ele nos barracões da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), em 1976, e pedir para ele orientar na nossa primeira pesquisa, que depois virou o livro “Periferias” (1979).
Ele não nos conhecia, era uma estrela, mas topou de primeira e logo em seguida nos convidou a frequentar seu grupo de estudos no apartamento na Rua Peixoto Gomide, onde conheci e compartilhei um pouco com sua família.
Esse grupo de estudos, que depois se desdobrou em outro que se reuniu na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) até 1979, foi essencial na minha formação. Quando a Fapesp rejeitou nosso projeto de iniciação científica, ele escreveu uma longa argumentação de quatro páginas defendendo a importância da pesquisa.
Sem aquilo, talvez, “Periferias” não teria sido existido e minha história talvez fosse outra.
Ele me convidou duas vezes para trabalhar na Cogep (Coordenadoria de Planejamento da Prefeitura de São Paulo), onde aprendi muito sobre urbanismo e convivi com grandes planejadores.
No início dos anos 1980, viramos amigos e parceiros em muitos outros trabalhos e diálogos sobre política.
Quando ele participou da criação do Cedec, me convidou para trabalhar em uma grande pesquisa sobre as condições de vida, em parceria com o Dieese, que nunca foi publicada.
Aprendi muito com ele nesses e em muitos outros momentos em que nossas trajetórias se cruzaram.
Mais recentemente, ele me pediu referências históricas sobre cortiços para uma análise que queria fazer. Levei para sua casa duas caixas com vários cadernos de todo o levantamento que fiz sobre o tema desde aqueles dias, há 40 anos, que comecei a estudar a história do movimento social e da habitação em sua sala na FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Em novembro passado, ele me enviou a primeira versão dos seus escritos. Era a parte 1 do texto “Os cortiços e seus moradores na periferia do capitalismo”. Pediu para marcar um encontro no início desse ano para conversar sobre o texto. Mas, descuido meu, foi ficando para depois, veio a pandemia e não consegui mais falar com ele. Lamento muito.
Essa talvez tenha sido sua última contribuição, que é imensa, para o estudo da cidade brasileira.
Ps: Lúcio faleceu no último dia 24 em São Paulo.
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Nabil Bonduki é mestre e doutor em estruturas ambientais urbanas e livre-docente em planejamento urbano pela USP. Foi vereador pelo PT (2001-2004 / 2013-2016.) e Secretário Municipal de Cultura na gestão Fernando Haddad (2015-2016).