Sem seu Trasso, o Brasil ficou menos grego

Com suas paredes brancas ladeadas por garrafas de ouzo, o Acrópoles era seu palco. Ainda que os pratos fossem escolhidos diretamente na cozinha, entre grandes cubas com carneiro e frutos do mar, a entrada era um show à parte: seu Trasso percorria cada mesa com uma anedota e uma salada. Se o novato estranhasse, dizia: “Se não gostar, não paga”. À mesa, o senhor de óculos e camisa misturava vegetais, feta e azeite, enquanto contava: quis ser padre, foi enfermeiro na Segunda Guerra… “Isso quando não abria o vinho do cliente e bebia junto”, conta a filha Niqui.

O grego mais brasileiro da cidade nasceu na Turquia, cresceu em Chios (Grécia), e chegou aqui em 1961. Virou garçom do mesmo restaurante que compraria anos depois e no qual investiu todos os seus dias. Quando perdeu a família num incêndio (chegou a disfarçar-se de enfermeiro para ver a filha), foi no labor do Acrópoles que superou a tragédia. Casou-se outras duas vezes, teve mais três filhas. Sem paixões além do Corinthians, acordava às 5h e ia ao Mercadão escolher cada tomate. Ali estava quando abriam e fechavam o restaurante –morava na mesma rua.

Certo dia, falou a Cidão, seu cozinheiro por 35 anos, sobre a dor. Da pedra na vesícula veio a infecção. Morreu dia 29, aos 97. A filha lamenta a festa que não vai acontecer. “Ele dizia que, se fizesse cem anos, aí sim, quebraria todos os pratos.”

Thrassyvoulos Georgios Petrakis (1918-2016).
 

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William Vieira no Cotidiano da Folha de S.Paulo.

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