‘Sempre os palhaços’: nosso gringo foi ao Gala do Theatro Municipal

Que garoto tendo assistido trapezistas voando pelos ares com a maior facilidade, os domadores de leão abraçando seus ferozes felinos e os elefantes dançando, às vezes não sonhou com uma fuga para o circo de todo aquele tedioso crescimento? E lá estão os palhaços, sempre os palhaços em seus ternos grandes e rostos pintados batendo uns nos outros no estilo clássico de pastelão herdado dos bufões reais do passado, se comunicando com mímica ao invés de palavras, tradicionalmente engraçados, mas nesta era de horror, às vezes muito assustadores, até causando coulrofobia; o medo real dos palhaços.

Leitores de São Paulo puderem ler na semana passada que o ‘Dia do Palhaço’ deste ano seria comemorado por duas apresentações especiais gratuitas (10 e 11 de dezembro) no Theatro Municipal, com atividades ao ar livre em frente ao teatro durante o dia. Para alguém que sente sangue de circo em suas veias, isso soou bom demais para perder ().

Com o tema “A Lona Uniu as Gerações”, comemoração circense do “Dia do Palhaço” teve apresentação do Palhaço Tubinho e a participação especial de Dedé Santana. Foto: Amanda Vieira / JP.

Embora este gringo não tenha fugido para se juntar a um, por uma grande sorte, se tornou diretor do prêmio Big Apple Circus em Nova York. A melhor parte era fazer amizade com palhaços, andarilhos, trapezistas e treinadores de animais. Eles vivem em um mundo de maravilhas com rica tradição histórica que continua em nossos tempos, um mundo que só podemos sonhar.

Talvez esse sonho (ou a chance de dar uma espiada nos bastidores) seja a atração do espetáculo, ‘A Lona Uniu como Gerações’, liderado pelo Palhaço Tubinho e que apresentou uma variedade de companhias brasileiras de circo, artistas convidados e um show especial em homenagem ao octogenário Dedé Santana do famoso grupo ‘Os Trapalhões’. Através de esquetes cômicos e dramáticos entremeados com uma trama narrativa para contar a história do circo-teatro que surgiu no início do século 20, prometia ser uma noite divertida.

Foto: Paulo Barbuto Fotografia.

André Sturm, Secretário Municipal de Cultura em um ato de fé e, sem dúvida, refletindo a pressão da comunidade circense que sente falta de apoio do governo, viu em trazer o circo paulistano para o Teatro Municipal “uma oportunidade especial para celebrar e também de divertir”. Eu me perguntava como isso seria apresentado no teatro mais elegante de São Paulo, um contraste completo com os habituais locais de circo com piso de serragem. E esperava poder provar o algodão doce e reviver minhas lembranças maravilhosas do circo e especialmente dos palhaços?

Funcionou incrivelmente bem. Pequenos circos que cruzam o país não têm grandes pretensões e, se os artistas de ‘A Lona Uniu as Gerações’, alguns deles realmente soberbos, são representativos dessas empresas itinerantes, o Brasil deve ficar muito orgulhoso. Eles se encaixaram confortavelmente no palco do Municipal como se sempre estivessem lá. Com uma maravilhosa banda de circo e um monte de gente de circo correndo por todos os lados para criar uma sensação de circo tradicional, um ato após o outro do espetáculo de 90 minutos deixou o público em pé.

Foto: Paulo Barbuto Fotografia.

O mágico fez aparecer magicamente o que parecia ser uma revoada de pombas, um bando de garotas um tanto tresloucadas girava no ar em uma corda, um incrível malabarista, pilotando um monociclo controlado, energizava o que parecia ser uma dúzia de discos giratórios e um par romântico de trapezistas em um trapézio bem acima do palco, atirava-se em um Kama Sutra de posições perigosas enquanto segurávamos nossa respiração. Como sempre, alguns atos foram melhores do que outros, mas no geral o espetáculo produziu uma noite esplêndida.

Os palhaços não dominavam a cena mesmo sendo o dia deles. Mas eles estavam lá, cheios de sacadas engraçadas e piadas animadas. Dedé Santana, resplandecente em uma jaqueta vermelha apareceu pouco antes do fim. O circo chegou à cidade e todos sorriam.

Foto: Paulo Barbuto Fotografia.

Michele Debczak escreveu recentemente em artigo no seu ‘Mental Floss’:

“Antes os palhaços usavam sapatos frouxos e jogavam tortas nos rostos um do outro, versões antigas dos artistas podiam ser encontradas nos tribunais reais. O bobo da corte não era mau, mas ele era a única pessoa no reino que podia zombar do monarca sem medo de (literalmente) perder a cabeça. O fato de os tolos não pertencerem à hierarquia social normal pode ter contribuído para o futuro papel que os palhaços desempenharam como estranhos não confiáveis” (Why Are We So Scared of Clowns? – inglês).

Mesmo dentro da hierarquia estrita do pessoal de circo – equilibristas na corda bamba e trapezistas do topo, seguidos em ordem decrescente por treinadores de animais selvagens e depois pelos outros – os palhaços sempre foram vistos como um pouco fora dessa ordem social. Como o bobo da corte, o palhaço sempre poderia se safar com coisas que eram um pouco exageradas para os outros artistas.

Emmett Kelly, famoso palhaço, em show especial de circo no Madison Square Garden, em Nova York, em 10 de maio de 1943. Foto AP.

Por trás de sua máscara, o verdadeiro palhaço é misterioso. Isso faz parte da sua magia. Será que seu único apelo é que ele toca alguma parte oculta de cada um de nós que quer irromper em gargalhadas desenfreadas ou acenda um medo indefinido que provoca arrepios em nossa espinha?

Um dos grandes palhaços modernos, o senhor Emmett Kelly, explicou que “rindo de mim, o público realmente ri de si mesmo. E ao perceber que fizeram isso, dá-lhes uma espécie de segundo sopro espiritual para voltar às batalhas da vida”. Não é de admirar que Charlie Chaplin tenha dito:“ Eu permaneço apenas uma coisa, e uma coisa só – e isso é um palhaço. Isso me coloca em um plano muito mais alto do que qualquer político”.

“Eu prefiro ter um tolo para me fazer feliz do que uma experiência para me deixar triste”, proclama Rosalind sabiamente, em “As You Like It“, de  Wiliam Shakespeare. Neste mundo frequentemente perturbador em que vivemos, o riso ajuda e, espera-se, sempre haverá os palhaços.

***
Peter Rosenwald 
mora em São Paulo e combina sua ocupação como estrategista de marketing para grandes empresas brasileiras e internacionais. Tem também carreira em jornalismo onde atuou por dezessete anos como crítico sênior de dança e música do ‘The Wall Street Journal’. Escreve toda semana no São Paulo São.

 

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