Há gente que reclamou de barulhos de helicópteros, de cachorros, de carros, de bares. Outros foram incisivos: os piores barulhos da cidade são aqueles que acontecem à noite, no descontrole sonoro da vida noturna e na ausência de capacidade do PSIU de fiscalizar todo mundo.
Alguns, nostálgicos, lembram da dificuldade que é achar algum bar ou restaurante que não tenha uma televisão ligada, emitindo mais barulho. Finalmente, houve quem trouxesse informações técnicas bem vindas sobre como barrar a barulheira em casa, usando cortinas, materiais de vedação, etc.
Diante de todos esses comentários, é animador pensar que há mais pessoas dispostas e brigar para ter uma cidade mais silenciosa, ou, no mínimo, menos barulhenta. Aqui vão algumas conclusões sobre esse estudo tão pessoal quanto incompleto:
1. Nossas ruas estão permanentemente no limite
A partir dos 65 dB, entramos no “patamar moderado de risco à saúde”. Como o nível básico de ruído das ruas é próximo disso, qualquer barulho novo já rompe esse limite: uma buzina, uma freada, um motor arrancando.
- Av. Faria Lima com movimento normal 69 dB.
- Av. Faria Lima com carros batendo na tampa de um bueiro solta 80 dB.
- Av. Faria Lima com homens cortando uma calçada com serra 86 dB.
2. Os motoristas não ouvem o barulho que eles próprios fazem
Eu fiz o teste. De dentro do meu carro, apertei a buzina e medi:
- 76 dB, medidos de dentro do carro.
- 87 dB, medidos de fora do carro.
Ou seja, quando um motorista resolve meter a mão na buzina para chamar a atenção do carro da frente que está falando no celular, as únicas pessoas que ele está punindo são aquelas que não tem nada a ver com a história: são os pedestres, os passantes, quem está em casa. Se as buzinas fossem viradas para dentro dos carros, motoristas iriam entender isso mais facilmente.
3. Para os motoristas e motociclistas paulistanos, a buzina é um modo de expressão
- Avenida Rebouças sem motos – 70 dB.
- Avenida Rebouças com motos buzinando – 81 dB.
A fila de motos buzinando insistentemente entre as faixas de rolamento é tão frequente que virou parte da paisagem paulistana. Como se fosse razoável, acostumamo-nos com isso.
Os motoristas de carro também exercitam suas buzinas, fazendo tremer os pedestres. No meu ranking pessoal, constatei que a buzina mais alta é a dos carros de marca Honda Civic, com 92 dB. Desconheço a razão técnica, mas se você for dono de um carro desses, pense muito antes de buzinar. Os pedestres, os fregueses da loja ao seu lado e a mãe que acabou de colocar um bebê para dormir no quarto andar do prédio em frente vão agradecer.
O ranking pessoal dos barulhos de São Paulo
4. Lugares fechados também são nocivos ao ouvido
- Avenida Eusébio Matoso em frente ao Shopping Eldorado – 75 dB.
- Praça de Alimentação do Shopping Eldorado – 82 dB.
5. Motos são barulhentas. Mas Harley Davidson é um caso a parte
- Moto Harley Davidson acelerando na frente do cemitério da Av. Dr. Arnaldo – 95 dB.
Esse foi o nível mais alto de ruído que eu consegui gravar com o decibelímetro. Deve haver muitos outros mas esse barulho impede que você faça qualquer outra coisa. Durante 30 segundos, o dono da moto impõe sua vontade a todo um quarteirão. Na Grécia antiga, o termo para quem não se importava com a coisa pública era “idiota”. Acredito que a palavra possa ser usada num caso desses.
6. Os ônibus e o metrô mereceriam um tratamento acústico
Um motorista de ônibus quando acelera, está “jogando”:
- 90 dB em quem está parado no ponto.
- 84 dB em quem está dentro do ônibus.
O metrô também é mais barulhento para quem espera nas estações. Quando aparece o trem, o nível do barulho vai até 87 dB. Tecnicamente, fiquei sabendo que é muito possível reduzir esses barulhos, com equipamentos mais modernos e motores mais novos.
7. No fundo, no fundo, nossa cultura parece não dar nenhuma atenção ao barulho
- Padaria com TV ligada – 69 dB.
- Padaria com TV desligada – 60 dB.
Achamos natural que exista música, barulho, imagens em todos lugares. Mas será que é tão ruim assim ficar um pouco em silêncio?
- Rua residencial sem carros num domingo de manhã – 45 dB.
- Rua residencial quando passa um carro no mesmo horário – 59 dB.
E de vez em quando, diante da visão alentadora de uma rua sem carros, em vez de ouvir pessoas, ouvimos mais música alta.
- Avenida Paulista sem carros 64 dB.
- Show de forró na Avenida Paulista 75 dB.
Outro dia, resolvi achar um lugar silencioso em São Paulo e fui à biblioteca pública Álvaro Guerra, que fica no Alto de Pinheiros. Queria um lugar calmo para estudar e ler. Fui surpreendido pela conversa do guarda com a recepcionista. Eles riam alto. Quando pararam, o telefone tocou e uma atendente começou a conversar em voz alta com alguém. Desisti. Não dá para lutar contra uma cultura que desrespeita o silêncio até numa biblioteca.
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. *Artigo publicado originalmente no blog Caminhadas Urbanas no Estadão.