Só falta um up!

Elza fazia luzes, finalizando o descoloramento das mechas; Leila repaginava o visual com uma progressiva no meio de um fumacê de química; Camila depilava o buço e retocava as sobrancelhas para ficarem num tom mais próximo dos cabelos escurecidos; Nena depilava geral: axilas, virilhas e pernas; Cecília padecia desencravando uma unha do pé.

Bem nessa hora, chegaram dois carrões que nem sei a marca. Deles desceram duas mulheres que entraram no salão e logo uma delas rendeu a recepcionista grávida de sete meses, enquanto a outra gritava:

– Fiquem onde estão. Isto é um assalto!

O cabeleireiro tremia e tentava sossegar o pessoal.

– Calma, calma, entreguem tudo o que elas pedirem.

As assaltantes foram limpando bolsas, carteiras, cartões e celulares, até que uma das criminosas disse: – Vocês três vêm conosco! Assim, ninguém daqui vai ligar pra polícia. Senão, vai ter neguinha virando presunto.

Levaram Elza, com a aplicação que descoloria o cabelo e papelotes na cabeça. Também Nena, que mal podia andar, vestida apenas com roupão e cera depilatória na virilha. E Camila, com tintura nas sobrancelhas e creme depilatório no buço. De quebra, Karin e Elisa, que haviam chegado juntas, acabaram ficando a pé, pois o bando fugiu no automóvel delas.

Jerê ficou sem ação: o que fazer? Se a polícia fosse atrás, poderia sair tiro e matarem a mulherada. Todas as clientes davam o seu palpite, até que chegaram ao consenso de ligar para um dos celulares das reféns. Na negociação com as bandidas, garantiram que não dariam queixa e tampouco chamariam a polícia. Pediram apenas que as deixassem perto de um orelhão.

Passados trinta minutos, o pessoal do salão de beleza recebeu um retorno da chefona:

– Vamos fazer compras num shopping center; depois, seguimos para os eletrodomésticos e equipamos nosso pedaço. Daqui umas três ou quatro horas, largamos essa mulherada numa quebrada qualquer.

Enquanto isso, o cabelo descolorido de Elza queimava. A cada coçada na cabeça, chumaços de cabelo caíam. Nena já não podia mais abrir as pernas: a cera depilatória da virilha tinha colado suas coxas. E Camila não tinha mais sobrancelhas. Sua testa ardia, melecada de tintura.

No shopping, desceu apenas uma das bandidas. Por sinal, muito bem vestida e com pose de madame. A ladra foi fazer compras em três joalherias. Na sequência, rumou para duas lojas de grifes importadas e fez a festa. Voltou carregada de sacolas e dizendo:

– Feito. Já dá para sairmos montadas como a gente merece.

Como os carros estavam parados numa rua lateral do shopping, ninguém as viu. Nem dava, pois o insulfilm era negro. Pegaram a marginal e deixaram as freguesas do Jerê nas proximidades do Belenzinho, em frente a uma churrascaria e gritaram:

 – Andem logo, saiam rapidinho, suas putadas!

As três choravam e se abraçavam: uma com os papelotes desmilinguindo e com mechas de cabelo caindo ao chão; outra gritando de dor por andar com as pernas coladas; e a terceira, como as demais, com o quimono do salão do Jerê e a testa já negra.

O manobrista do restaurante não acreditou na cena a que assistia e foi se aproximando para tentar entender o que estava acontecendo. Desesperadas, todas queriam falar ao mesmo tempo, até que o moço deu um basta:

– Fala uma só, pelo amor de Deus! Que bagunça é essa aqui na frente da churrascaria? Vamos saindo para a lateral. Circulando!

Então, Elza gritou:

– Foi um seqüestro relâmpago, em pleno cabeleireiro! Liga para o meu marido vir nos buscar!

No final da tarde, o marido de Elza chegou ao pedaço. Levou as garotas de volta para o salão do Jeremias, que, exultante, soltava gritinhos: – Salvas, salvas, salvas!

Ao que as moças contestaram:

– Olha como ficamos, Jerê! 

A resposta do aliviado mestre das madeixas não poderia ter sido melhor:

– Nem que seja para eu fechar à meia-noite, prometo que vocês vão sair daqui repaginadas. Garanto que tudinho será recuperado. E vou dar aquele up em cada uma porque vocês merecem, minhas gueixas sequestradas. Ainda bem que foi apenas relâmpago! Agora, vou colocar um segurança no salão. Ah, ninguém merece sair daqui neste estado que vocês estão. Heroínas do Jerê, vocês mereciam uma foto do antes e depois. Um up, um up, um up. É só isso que falta!

***
Marina Bueno Cardoso é jornalista, cronista e ministra oficinas de criação literária em unidades do SESC e outros espaços. Esta crônica faz parte do livro “Petit-Fours na Cracolândia” da Editora Patuáá. Marina escreve quinzenalmente no São Paulo São.

Tags

Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on pinterest
Share on linkedin
Share on email
No data was found

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Categorias

Cadastre-se e receba nossa newsletter com notícias sobre o mundo das cidades e as cidades do mundo.

O São Paulo São é uma plataforma multimídia dedicada a promover a conexão dos moradores de São Paulo com a cidade, e estimular o envolvimento e a ação dos cidadãos com as questões urbanas que impactam o dia a dia de todos.