Solidariedade em um copo de café: ‘Seu Neves’ e sua barraquinha na Consolação

Quando a estudante de jornalismo, Norma Odara, fotografou a banquinha de café compartilhado do Seu Neves, nem a autora da foto e muito menos o fotografado imaginavam a repercussão que um simples gesto de solidariedade poderia causar. E causou.

Uma semana depois: equipes de TV, anônimos curiosos e turistas ao acaso iam até à Rua da Consolação, quase na esquina da Avenida São Luís, para conhecer a barraquinha onde clientes podem pagar cafés, bolos, lanches – e deixar tudo anotado em uma lousinha – para que outras pessoas (em sua maioria, moradores de rua) sejam beneficiadas pelos créditos deixados. E foi assim que Seu Neves, ex-analista de suporte de informática, se tornaria personagem do primeiro café compartilhado de rua de São Paulo.

Mas antes do café se popularizar por aí, sua trajetória como empreendedor independente tem início sete anos antes, em 2008, quando deixou Porto Alegre rumo à capital paulista após receber proposta de emprego de uma multinacional. “Sempre trabalhei com informática e recebi uma boa proposta para trabalhar em São Paulo. E como minha mulher é paulista, juntamos nossas coisas e viemos com os filhos para começar uma nova vida”.

Nos quatro anos seguintes, trabalhou ainda em outras empresas do ramo da telefonia até que, em 2012, resolveu dar adeus à rotina do escritório. “O nível de stress chegou ao limite e eu não estava mais disposto a enfrentar aquele desgaste todo. Consegui ganhar algum dinheiro trabalhando como analista e, com a ajuda da minha esposa, decidimos nos tornar empreendedores”, ele relembra entre a concorrida procura por cafés, tortas e bolos – vendidos e compartilhados.

♪ Vou para Porto Alegre, tchau♫

Quando decidiu dar um ponto final à carreira de analista, Neves, a esposa e os três filhos também resolveram voltar à capital gaúcha. O que não durou muito tempo, já que como ele mesmo definiu “estava paulistano demais”. E com a pouca oferta de emprego e salários baixos, acabou arrumando as malas de volta para São Paulo, com destino ao bairro de Artur Alvim. “Eu já estava acostumado com o ritmo daqui. E em São Paulo, por mais difícil que seja, ainda dá pra tirar algum dinheiro”.

E tudo começou por causa do feeling comercial de Edneusa. Precisa e certeira, a intuição da esposa era o que faltava para o casal prosperar na, já não tão, oportuna Terra das Oportunidades.”Estava à procura de trabalho, pensando como investir em algum negócio, quando a Edneusa sugeriu abrir uma barraquinha de café em frente à empresa que trabalhava na época”.

Entre um café e outro: por que não compartilhar?

Diante da nova rotina de trabalho, Neves e Edneusa passaram a se dividir entre as atividades da empreitada. Enquanto ela se dedica à preparação de quitutes como tortas de frango ou calabresa, além de lanches caseiros de presunto e queijo, ele vai à rua em dois turnos: das 5h30 às 11h e das 17h30 às 22h, de segunda a sexta-feira. “Apesar da correria e do trabalho que dá, hoje consigo ter uma vida livre de escritório e do stress corporativo. Também ganhamos mais do que em nossos antigos empregos”, avalia.

Há cinco meses, entre os clientes habituais do dia-a-dia, Seu Neves foi pego de surpresa pela sugestão de uma cliente mato-grossense que por ali passaava: na hora de pagar a conta, além do café tomado, também insistiu em deixar outro “suspenso” para um eventual cliente. Sem entender a oferta, decidiu pesquisar mais sobre o tal conceito que acabara de ser apresentado.“Daí então descobri essa prática que já acontece em vários países da Europa e também nos Estados Unidos. No dia seguinte, trouxe a lousa pra começar a compartilhar”.

Ao contrário de outros estabelecimentos que já adotaram a prática em São Paulo, a barraquinha não causa qualquer tipo de intimidação a moradores de rua ou pessoas sem dinheiro. “No começo as pessoas ficavam meio desconfiadas, sem entender direito a intenção do café compartilhado. Aos poucos foi se tornando normal pro pessoal que passa por aqui todo o dia”. Em suas contas, mais ou menos, seis ou sete pessoas são beneficiadas diariamente pelo compartilhamento não só de café, mas também chá, lanches ou uma das nove opções de bolos espalhados na mesinha improvisada.

10 meses depois…

Quase um ano depois, a próspera barraquinha da Rua da Consolação já colhe os frutos de um investimento honesto e independente. Além de pagar as contas do mês, o negócio garante certa tranquilidade à vida do casal. “É curioso como um pequeno gesto faz a diferença. Ainda me surpreendo com tanta gente vivendo na rua, em condições tão difíceis. Eu me emociono”.

Aos olhos da lei, um infrator

Mesmo formalizado pelo MEI (Microempreendedor Individual), recentemente, viu seu negócio ameaçado pela presença das autoridades locais. “Duas vezes, oficias da Guarda Civil Metropolitana, que passavam pela região, questionaram a legalidade do comércio e chegaram a pedir a retirada da barraca. Eu não sei qual é o problema por fazer meu trabalho de forma honesta. Nunca fui denunciado pelo que faço aqui e, de repente, alguém que diz que não posso exercer meu trabalho. Além disso, quantos food trucks e outros comércio de rua estão por aí sem nunca ter sido incomodados?”, questiona.

André Nicolau no Catraca Livre.

 

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