Transgêneros e o poder de inclusão da moda

Em 2010, a jovem de 26 anos emigrou da Tailândia para Nova York com a aspiração de se tornar uma modelo profissional. Mas logo ficou claro para ela que sua origem e sexualidade não iriam ajudar muito em seu objetivo. “Eu fui a várias agências de modelos conhecidas, mas nenhuma queria me contratar”, conta Di.

Porém, Di conseguiu virar o jogo, correndo ela mesma atrás de oportunidades de trabalho, sem a ajuda de agências. “O público amou minhas aparições nas passarelas, e meus editoriais de moda também foram bem recebidos. Percebi que o problema não era eu.”

Em 2013, Di criou a Trans Model, a primeira agência de modelos para transgêneros. “A ideia foi muito bem recebida. Na verdade, todos se perguntaram por que ninguém tinha pensado até agora numa ideia tão óbvia”, conta. “Eu gostaria de criar algo que fosse inclusivo e com o qual transgêneros tivessem a chance de celebrar eles mesmos e suas belezas.”

Em 2013, mais uma pioneira aderiu ao plano: em Toronto, no Canadá, Nafisa Kaptownwala fundou a agência de modelos Lorde Inc. Atualmente, a empresa possui cerca de 60 modelos em seu catálogo – e nenhum deles é branco.

“A ideia surgiu quando alguns colegas começaram a se estabelecer pouco a pouco no mundo da moda, e nenhum deles trabalhava com negros”, conta Kaptownwala. A situação, porém, pouco mudou: de acordo com estatísticas da The Fashion Spot, 70% dos modelos da Fashion Week e Nova York deste ano eram brancos.

“No último desfile da Gucci, três dos 76 modelos eram negros. E designers como Demna Gvasalia von Balenciaga não veem aparentemente a necessidade de contratar modelos negros”, afirma Kaptownwala tendo em vista a próxima coleção de primavera. Essa velha postura lhe faz lembrar dos anos 1950.

No centro das tendências

Segundo um relatório da Human Rights Campaign, uma organização não governamental americana, apenas nos EUA, 21 mulheres trans foram mortas em 2015. Igualmente preocupantes são os assassinatos de motivação racial nos últimos três anos, para os quais o movimento Black Lives Matter chama atenção.

Já do outro lado do Atlântico, uma discriminação contra a população muçulmana que parece estar ligada à crise migratória culminou na proibição temporária do uso do burkini na Riviera Francesa.

O mundo da moda não deveria reproduzir tais medos e cautelas, afirma Henry Ravelo, gestor e produtor de televisão americano. “A maioria pensa não ter nada a ver com esses problemas”, afirma. “Mas violência contra outras pessoas é sempre um problema de toda a sociedade”, diz.

“Quando a aids eclodiu nos anos 1980, as pessoas inventaram todos os nomes possíveis para ela, como ‘doença gay’. Com termos do tipo é possível esconder bem os problemas debaixo do tapete”, opina Ravelo. “Mas a moda é parte da nossa cultura, algo que todos compartilhamos, e ela pode mudar a consciência das pessoas.”

O produtor tem um motivo muito pessoal para seu engajamento: um amigo morreu após oataque terrorista ao clube gay The Pulse, em Orlando, na Flórida, em junho deste ano.

Fotógrafos renomados

Lentamente parece que o mundo da moda está mudando. Di e suas modelos participam da Fashion Week de Nova York e figuram em editoriais de revistas mainstream e campanhas de marcas como Smirnoff e Equinox.

Fotógrafos renomados de todo o mundo, como Steven Klein, querem trabalhar com elas. Modelos da agência de Kaptownwala também participam regularmente de ensaios fotográficos de alto padrão, como para a revista Dazed&Confused, e de desfiles de moda mundo afora.

A designer muçulmana Anniesa Hasibuan, da Indonésia, mostrou na última Fashion Week de Nova York uma coleção de hijab – o véu islâmico que cobre a cabeça e o pescoço, deixando o rosto livre. Os expectadores do desfile aplaudiram de pé e o tema foi discutido nas redes sociais. Algumas das modelos foram contratadas pela agência Underwraps, uma empresa criada pela designer de moda muçulmana Nailah Lymus.

“Alguma coisa está acontecendo no mundo da moda”, afirma Ravelo. “Recentemente, a emissora Oxygen exibiu os primeiros episódios de Strut, o novo reality show de Whoopi Goldberg. O programa mostra modelos da Slay, uma agência de Los Angeles que possui contratos com transgêneros.”

Um formato parecido que já está na oitava temporada é a série RuPaul’s Drag Race. No programa, agraciado com um prêmio Emmy, drag queens concorrem pelo título de “próxima drag-superstar dos EUA”. Uma das antigas candidatas, Kurtis Dam-Mikkelsen, participa atualmente de desfiles e festas em Paris promovidos por marcas como Marc Jacobs e Prada.

“Não quero parecer arrogante, mas, na minha época, não havia para crianças como eu ninguém para se admirar. Eu gostaria que essas crianças, que são diferentes e têm medo de serem honestas consigo mesmas, saibam que lá fora existem pessoas como elas”, lembrou a drag queen conhecida pelo nome artístico “Miss Fame”.

Moda onipresente e universal

A moda é onipresente. Por isso, não é de surpreender que ela constitua uma plataforma perfeita para minorias poderem se expressar e encontrar reconhecimento – apesar da resistência da indústria da moda.

“Meu objetivo é agitar a indústria da moda”, explica Di. “Todos os meus modelos são trans, mas isso não é a razão pela qual eles são únicos. Alguns são um pouco mais ‘cheinhos’, muitos se definem como sem gênero e trabalham como modelos tanto de moda masculina quanto feminina.”

Ao ser questionada sobre o que significa para ela a palavra “modelo”, Di dá uma resposta que parece ter caráter universal: “Uma pessoa que veste e pode apresentar roupas de uma maneira maravilhosa. Eu gostaria de mostrar que o tamanho do corpo, cor da pele ou identidade não podem ser impedimentos na carreira de ninguém enquanto a pessoa for apaixonada pelo que faz e desejar alcançar algo neste setor.”

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Fonte: Deutsche Welle / Mundo.

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