Uber: regulamentar por uma cidade mais moderna

Romper com o modelo urbano insustentável implantado em São Paulo no século 20 -baseado na prioridade para o automóvel, na desertificação do espaço público, na segregação sócio-territorial, nos condomínios fechados e na depredação ambiental- é fundamental para o futuro da cidade.

Em 2014, como relator do Plano Diretor Estratégico (PDE), formulamos propostas que buscam superar o velho modelo e construir novos paradigmas. A gestão do prefeito Fernando Haddad tem trabalhado para colocar em prática esses novos modelos, mesmo sofrendo resistência dos que defendem padrões ultrapassados.

A regulamentação do uso de aplicativos no transporte de passageiros por automóveis deve ser analisada nessa perspectiva. Dentre os inúmeros aspectos que introduzimos no substitutivo do PDE, está incluído o uso de carros compartilhados. O assunto foi proposto e discutido em audiências públicas e gerou a seção oito do capítulo que estabelece as diretrizes da política e do sistema de mobilidade urbana.

Esse capítulo determina prioridade ao transporte coletivo e à mobilidade ativa (a pé, de bicicleta etc.) e propõe o uso racional do automóvel, a ser articulado com outros modais.

Para cumprir esse objetivo, o transporte de passageiros por automóvel deve ser revisto, pois a atual organização do sistema de táxis – baseado no monopólio de alvarás, no uso exclusivo dos veículos e em tarifas elevadas para o cidadão comum- é insuficiente para atender a política de mobilidade indicada pelo Plano Diretor.

Para que o automóvel cumpra uma função estratégica na proposta de mobilidade preconizada, é necessário reduzir o custo do serviço e ampliar o número de usuários, viabilizando seu uso complementar aos demais modais e ampliando a média do número de passageiros por automóvel, hoje estimada em apenas 1,3.

O compartilhamento de automóveis, no âmbito de uma reorganização do sistema de transporte de passageiros baseada em novas tecnologias, cria as condições para a redução do número de veículos nas ruas, sem inviabilizar sua utilização.

É natural a reação dos taxistas às transformações necessárias e, ressalte-se, inevitáveis. Todavia, o enorme crescimento no uso desses aplicativos sem nenhuma regulamentação terá efeito ainda mais predador.

A criação de regras claras poderá beneficiar todos os trabalhadores envolvidos no transporte de passageiros por automóvel, em especial os taxistas, que poderão inclusive incrementar sua renda via aumento da demanda. Por outro lado, a diversificação dos modais gerará efeitos positivos no modelo de cidade que desejamos implantar.

A análise desse tema pelo legislativo deve ter como referência essa reflexão, superando a nefasta polarização empresarial/corporativa “Uber x taxistas”, que tem caracterizado os debates.

A gestão Haddad, com a ousadia que a caracteriza, formulou uma proposta consistente de regulamentação que preserva e dá segurança jurídica para os taxistas, tributa a prestação desse serviço e avança em direção a mecanismos contemporâneos de utilização de aplicativos e novas tecnologias.

Essa proposta precisa ser mais conhecida e debatida não só pelos diretamente envolvidos, mas, sobretudo, pelos usuários ou futuros usuários do sistema.

Não podemos deixar que interesses empresariais ou corporativos contaminem o debate sobre uma importante política pública. Entre tantos avanços que São Paulo está oferecendo para as cidades brasileiras, a regulamentação do carro compartilhado poderá ocupar um lugar de destaque.

***

Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, é vereador em São Paulo. Professor titular de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. *Texto publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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