Um varal para fugir do frio

O “Estendal Solidário Gigante” foi esticado numa importante avenida de Lisboa. Foto: @heatthestreet.

O “Estendal Solidário Gigante” foi esticado numa importante avenida de Lisboa, para dar agasalhos aos sem-abrigo, famílias que não conseguem comprar roupas ou para qualquer um que simplesmente tenha frio. Este ano buscou-se angariar mais casacos e roupas de frio para as crianças, principalmente porque muitas famílias não conseguem acompanhar o ritmo de crescimento das crianças, que costumam “perder” muitos casacos de um ano para o outro pelo simples fato de estarem crescendo. Mas há também um outro segmento importante identificado pelas organizadoras: pais e mães que privilegiam a compra das roupas de frio para as crianças e acabam ficando, eles mesmo, sem dinheiro para os próprios casacos.

O varal é organizado como uma verdadeira loja, com roupas novas ou semi-novas, identificadas e separadas em “seções” de homem, mulher e crianças. Tem também luvas, gorros, mantas e cachecóis. Na página do projeto no Facebook, milhares de pessoas já tinham se interessado pela iniciativa pouco antes da “loja” ser montada. Muitos vão chegando no dia do evento, trazem seus cabides e pregadores, e ajudam a tornar o varal ainda mais variado e completo. Tem também quem venha trazendo um chazinho pra aquecer ainda mais o dia de solidariedade e tantos outros voluntários. Até passagens de ônibus são oferecidas para aqueles que não tem condição de bancar o gasto com o transporte. Este ano, por ironia do destino, o dia teve que ser encerrado mais cedo por causa justamente… do tempo ruim.

O varal é organizado como uma verdadeira loja, com roupas novas ou semi-novas, identificadas e separadas em “seções” de homem, mulher e crianças.Foto: @heatthestreet.

A iniciativa acontece na mesma semana em que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apresenta relatório mostrando que a crise fez duplicar o número de imigrantes vivendo abaixo da linha da pobreza. De acordo com os dados da organização, a proporção de imigrantes de países de fora da União Europeia mais do que dobrou em Portugal. Nós, brasileiros, estamos no topo do ranking dos imigrantes que vivem em Portugal, com pouco mais de 85 mil pessoas. Mas entre os países da UE, a leva de estrangeiros vindo aqui para a terrinha também tem crescido muito, com destaque para os italianos (+50%) e franceses (+35,7%). O relatório aponta que quem tem nacionalidade externa à União Europeia (nós, por exemplo) tem, em Portugal, “duas vezes maior probabilidade de viver na pobreza dez anos depois da crise do que antes dela”, considerando o período analisado (2006-2015).

Na página do projeto no Facebook, milhares de pessoas já tinham se interessado pela iniciativa pouco antes da “loja” ser montada. Foto: @heatthestreet.

Mas mesmo entre os portugueses os dados são duros: a taxa de pobreza relativa caiu um ponto percentual no mesmo período analisado, mas ainda é uma das mais altas (19%) da União Europeia. Outro dado importante relacionado a este cenário é a taxa de desemprego, muito maior entre os imigrantes de fora da EU (16%) do que entre aqueles que vêm de outros países da europa (10%). Um indicador do relatório ajuda a entender essa diferença: os estrangeiros não-europeus com baixa qualificação (17%) são quase o dobro daqueles que chegam da própria europa (9%). Na outra ponta, os que tem boas qualificações (34%) na fatia que vem da Europa estão bem à frente dos estrangeiros de fora da Europa (28%). E, quando comparados com os próprios portugueses, os imigrantes da UE também estão melhor posicionados. Há cerca de 34% dos cidadãos de Portugal com baixas qualificações e apenas 22% com qualificações elevadas, ficando, portanto, atrás mesmo dos estrangeiros não-europeus.

A taxa de pobreza relativa caiu um ponto percentual, mas ainda é uma das mais altas (19%) da União Europeia. Foto: Sara Matos / Global Imagens.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) também divulgou os principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social de Portugal, com base nos rendimentos de 2017, o que, por outro lado, mostra uma importante tendência de mudança do cenário. A pobreza atingiu, em 2017, 17,3% da população total, o valor mais baixo desde o início da série histórica, em 1995, e um ponto percentual abaixo dos dados de 2016. O critério de pobreza, em 2017, foi definido como rendimentos de 468 euros por mês para quem vive sozinho e de 982 euros por mês para um casal com dois filhos. O segmento mais vulnerável é aquele de famílias com mais de dois filhos ou que sejam formadas apenas pelo pai ou pela mãe.

Os portugueses bem que podiam se consolar olhando os dados de desigualdade social no Brasil, não? Foto: Periferia em Movimento.

Apesar das curvas dos indicadores apontarem uma importante alteração na sociedade, Portugal continua a ser um dos países com maior pobreza e desigualdade da Europa (bom, os portugueses bem que podiam se consolar olhando os dados de desigualdade social no Brasil, não?). Um varal de roupas de graça para quem quiser e precisar, seja português, brasileiro ou de outra nacionalidade europeia, talvez não seja suficiente para mudar toda a sociedade, mas quando se vê a quantidade de gente se engajando e se preocupando com a questão, fica claro que a direção está dada.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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