Uma brasileira na escola mais verde do mundo

Praias paradisíacas e exuberantes florestas tropicais são alguns dos atributos que colocaram a pequena Bali, na Indonésia, em evidência no mapa. Recentemente, porém, outro mérito vem chamando a atenção do mundo para a ilha: lá está localizada a escola mais sustentável do mundo, a Green School.

Com estrutura inteiramente erguida em bambu (material renovável muito comum na região), paredes vazadas que integram o espaço à rica vegetação local e captação de 80% da energia elétrica consumida por meio de painéis solares, a escola internacional privada tornou-se referência quando o tema é uma educação holística.

Em meio à diversidade de nacionalidades de alunos e docentes, uma brasileira ensina crianças de 4 e 5 anos conhecimentos sobre música, ciência, artes e meditação. Primeira professora latino-americana contratada pela escola, Janaina Ricci conta que passou por um exaustivo processo seletivo para chegar ali.

Depois de ver um vídeo sobre a instituição e visitar seu site, Janaina descobriu que havia uma vaga aberta com data de expiração para dali a dois dias. “Em menos de 24 horas, atualizei meu currículo, escrevi uma carta de apresentação e torci para eles entenderem que eu não teria tempo para gravar um vídeo falando sobre mim”. Depois seguiram-se uma série de entrevistas por Skype até Janaina ter a confirmação de que era a escolhida dentre mais de 700 candidatos.

Além dos professores estrangeiros, que ministram as aulas em inglês, todas as classes possuem um professor local que é responsável pelo ensino do idioma e cultura indonésia. “Na minha sala, trabalho com duas balinesas incríveis. Acabo ensinando muito da cultura brasileira para as crianças, elas amam as histórias do nosso folclore e também as brincadeiras”, diz Janaina que, neste ano, tem alunos de 11 diferentes nacionalidades em sua turma entre indianos, russos, suíços, chineses, italianos, americanos e filipinos.

O currículo da Green School é sustentado por uma pedagogia segundo a qual deve-se trabalhar de forma integrada quatro dimensões do ser humano: emocional/afetiva, espiritual/intrapessoal, cognitiva/intelectual e sinestésica/movimento. “Em uma mesma aula, saímos pelo campus e plantamos na horta (sinestésica/movimento), observamos os vegetais que já cresceram, seu caule, raízes, folhas (cognitiva/intelectual), desenhamos estes mesmo vegetais e/ou cantamos músicas que falem sobre plantas (emocional/afetiva) e terminamos numa grande roda dividindo o que sentimos durante essa aula (intrapessoal/espiritual)”, explica Janaina.

Integrada ao ecossistema, na Green School a natureza também atua como um “professor. “Podemos sentar próximos à horta e fazer desenhos de observação, coletar pedras para as aulas de ciências na margem do rio ou colher ervas para fazer uma sopa na aula de culinária”.

Às vezes, um cachorro invade a sala, uma borboleta pousa em uma criança ou formigas atacam a cesta com os lanches. Todos esses “imprevistos” são transformados em momentos de aprendizado. “No caso das formigas, acabamos pegando lupas para descobrir de onde elas vinham e criando um “restaurante” fora da sala para que elas parassem de roubar nosso lanche. Por incrível que pareça, funcionou!”.

O fato das crianças passarem uma grande parte do tempo fora da sala de aula, desempenhando atividades diversas que demandam energia, na opinião de Janaina, faz com que casos de hiperatividade e déficit de atenção sejam praticamente inexistentes na escola. “Isso me leva a questionar se o aumento de casos no Brasil e outras partes do mundo são resultado de uma prática educacional inapropriada”, diz a professora referindo-se ao modelo tradicional de ensino que obriga os alunos a passarem muito tempo confinados e sob a lógica das aulas expositivas.

A professora conta que os educadores são constantemente desafiados a repensar suas práticas em sala de aula de modo a deixá-la mais sustentável. “Temos diversas comissões na escola que cuidam dos mais variados assuntos, e todas estas comissões incluem pais, alunos e professores. Há comissões encarregadas da parte da comida, segurança, saúde, bem-estar”.

 

Um dos espaços da escola Green School, localizada em Bali. Foto: Tenile Vicenzi.

O uso do óleo de palma, por exemplo, que é um dos principais causadores das queimadas dasflorestas em Sumatra e Bornéu, foi banido da escola há 2 anos. A instituição busca ainda fornecer apenas alimentos produzidos localmente. Não há copos descartáveis em suas dependências, toda a comunidade usa garrafas trazidas de casa. No último ano, criou-se um sistema de transporte para alunos e professores utilizando um ônibus movido a biodiesel produzido com os resíduos de óleo de cozinha da escola, casas e restaurantes nos arredores. “Além do biodiesel, estamos agora produzindo sabão que aos poucos é utilizado nos banheiros e demais áreas”.

Há ainda um centro de reciclagem que não só ajuda a comunidade a dar um destino correto ao lixo, mas também capta dinheiro por meio da venda de materiais. “Uma grande parte dos meus projetos de arte utiliza materiais que encontro nesse centro de reciclagem”.

Mas nem tudo é um mar de rosas. Sobre os desafios de lecionar na escola, Janaina destaca lidar com o calor intenso e as doenças que uma floresta subtropical trazem, o acesso ao local que fica longe de onde mora, aprender a trabalhar em um lugar onde os pais têm acesso integral e ainda lidar com a escassez de recursos materiais. “Esses dois últimos pontos foram questões positivamente desafiadoras. Conheci e fiquei amiga de muitos pais, aprendi muito com eles e descobri que posso fazer muito mais coisa do que imaginava usando minha criatividade”, conta.

Em uma perspectiva comparativa, a professora coloca que a Green School tem muito a ensinar às escolas brasileiras e vice-versa. “Somos naturalmente inclusivos com o estrangeiro, algo que não acontece na Europa ou Estados Unidos”. Por sua vez, a escola indonésia sai na frente quando o assunto é a valorização de todas as formas de inteligência. “Ela incentiva seus alunos a aprimorar aquilo que eles têm de melhor, seja esse talento intelectual, artístico ou afetivo”.

Janaina também relata como positivo o protagonismo dado aos professores dentro da escola. “Nós, professores, exercemos um papel muito importante na mudança da sociedade. Eu vim para Bali porque sempre acreditei nisso e queria poder inspirar e, consequentemente, emponderar outros professores”, conclui.

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Por Thais Paiva em Carta Educação.

 

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