Já faxinei a casa em todos os pontos cardeais e o quartinho lá.
Já arranquei mato da jardineira, recuperei samambaia morta, me controlei para não hiper molhar o bonsai e nada de entrar no quartinho.
Já cozinhei coisas inéditas: tremoço, feno grego, casca de maracujá e o quartinho fechado lá.
Já assei pão, fiz nhoque, pad thai, picadinho e todos os tipos de grãos. Nada de enveredar por lá.
Já vi série, filme, novela, fiz crochê, li três começos de livros e o quartinho lá.
Aspirei pó (da casa), respirei, cantei no chuveiro, gravei com o Bello, estudei em frente ao espelho e o quartinho ainda lá.
Fiz festa no “Zoom” com os amigos, reclamei da vida para alguns outros, briguei e desbriguei com o patrão e “Ele”, o quartinho, lá.
Já acompanhei distante o Covid do filho, já cuidei do cão com os gatos, já tomei sol na laje… O quartinho lá.
Já fiz lista de amores antigos e me contive para não ligar para alguns, fiz campeonato de Sudoku contra o relógio, e o quartinho inda lá.
Tomei sol pelada na janela, e nesta mesmo bati panela, dormi na cama, na rede, no sofá e o quartinho lá.
Já fui ter com os Freis no Largo (São Francisco), empacotei quentinhas, prospectei donativos e ajudei nos banhos para os pela vida injustiçados. Nada de no quartinho entrar.
Já quebrei o dente dos fundos, deixei o cabelo branco prosperar, parei de me pesar na balança, deixando a vida me levar. O quartinho, rimando, está lá.
Penso que amanhã cedo seria um bom dia para encará-lo. Assim também penso que é melhor deixar o quartinho lá, com sua confusão e desordem. Com coisas para se desfazer e guardar, com as possibilidades de se ajeitar.
O quartinho é meu futuro. Deixa ele guardado lá.
***
Márcia Fukelmann é proprietária de Consultoria Gastronômica com seu nome.