Uma universidade com muita história

Estima-se que cerca de 80% dos ministros brasileiros nos primeiros anos após a independência tenham passado pelos bancos de Coimbra. Mas antes mesmo de 1822 já tinha “brazuca” em Coimbra. Há registros de 13 brasileiros no século XVI, 354 no século XVII e mais de 1500 no século XVIII. O poeta Gregório de Matos Guerra, o “Boca do Inferno”, nascido na Bahia, filho de pais portugueses, formou-se em Coimbra em 1661. Outro da fase pré-independência foi o padre Bartolomeu de Gusmão, o “Padre Voador”, nascido em Santos e inventor do aeróstato, formado em 1720. Antonio José da Silva, o “Judeu”, nascido no Rio de Janeiro, formou-se em Coimbra em 1726. O frei José de Santa Rita Durão, mineiro, e o poeta Cláudio Manuel da Costa, também mineiro, são mais dois exemplos de brasileiros (com um pezinho em Portugal, é verdade…) que passaram por Coimbra no século XVIII.

Torre do relógio e Via Latina na década de 60. Foto: Mário Novais (1899-1967).

Coimbra tem hoje mais de 25 mil alunos (apenas como referência, a USP tem pouco mais de 59 mil alunos na graduação), 5 mil dos quais são estrangeiros, 330 cursos, 16 bibliotecas e 3 campi. Mas nenhum destes números enormes consegue medir a emoção de seguir os passos de Camões, Eça de Queiroz, e do nosso “Patriarca”, todos com uma vida que passou por Coimbra. Olhando para a esquerda no Paço das Escolas, uma grande estátua de D. João III e uma vista deslumbrante da cidade. Mais em frente, a não menos fabulosa Biblioteca Joanina, com suas 60 mil obras, grande parte dos séculos XVI a XVIII (e, dizem, fonte de inspiração para os cenários da biblioteca de A Bela e a Fera); o portal manuelino da Capela de S. Miguel e a icônica torre da Universidade de Coimbra, com seus relógios e sinos ao alto. Aliás, graças a um dos sinos, que toca para anunciar o início das aulas logo cedo e volta a badalar para indicar o recolhimento dos estudantes ao cair do dia, muitos se dirigem a ela como “Cabra”. O apelido vem desde a construção da torre, em 1728. Uns dizem que o som mais agudo do sino lembra o balir das cabras, outros apenas usam o termo “cabra” como xingamento aos sinos, responsáveis por anunciar que as aulas vão começar. Seja como for, quando falarem “cabra” lá em Coimbra, saibam que a referência é a torre da universidade. Ah, e quem quiser subir os 34 metros da torre pode encarar as escadas estreitas. Só não recomendo para os mais claustrofóbicos ou que padecem de acrofobia…

Biblioteca Joanina, com suas 60 mil obras, grande parte dos séculos XVI a XVIII. Foto: UC / Divulgação.

Mas nem mesmo a beleza da biblioteca e a imponência da torre conseguem tirar a relevância de um dos locais mais importantes da universidade: a Sala dos Atos Grandes, também conhecida como Sala dos Capelos. O grande espaço já foi também a Sala dos Tronos e serviu de palco para a aclamação de D. João I, em 1385. A sala, cuja entrada também se dá pelo Paço das Escolas, é rodeada por pinturas mostrando todos os reis de Portugal, de D. Afonso Henriques a D. Manuel II, com exceção daqueles do período da Dinastia Filipina, iniciada em 1580, quando o rei D. Felipe II da Espanha assumiu o trono de Portugal como D. Filipe I, e terminou com o início da dinastia de Bragança, em 1640.

A Sala dos Capelos já não recebe reis, mas tem um papel central na universidade. É lá que são realizados os atos mais solenes de Coimbra, como as defesas de tese de doutoramento e as aberturas solenes das aulas. E tem sido lá também onde grandes personalidades de todo o mundo recebem o título de Doutor Honoris Causa, desde 1921. Há exatos 10 anos, em março de 2011, o ex-presidente Lula entrou na Sala dos Capelos e saiu como Doutor Honoris Causa por Coimbra. Ele juntou-se a um grupo de intelectuais e personalidades cujas obras têm ou tiveram impacto e relevância na sociedade. Nomes como os do também ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995), José Sarney (1986), Tancredo Neves (1985), Juscelino Kubitschek (1960), além de José Saramago (2004), Jacques Derrida (2003), Fábio Konder Comparato (1999), Henrique Walter Pinotti (1999), Florestan Fernandes (1990), Miguel Reale (1982) e Gilberto Freyre (1962), entre outros, são alguns dos mais conhecidos Doutores Honoris Causa de Coimbra.

Em 2011, o ex-presidente Lula entrou na Sala dos Capelos e saiu como Doutor Honoris Causa por Coimbra. Foto: UC / Divulgação.

Todo o cerimonial da entrega dos títulos segue a pompa e o protocolo dos chamados “Estatutos Velhos”, de 1653. No caso da obtenção do grau de Doutor, após a defesa de tese, o estudante, vestido como manda a tradição, o que inclui a famosa capa preta, apresenta-se na Sala dos Capelos para receber do reitor as insígnias doutorais: a borla, um pequeno chapéu que simboliza a inteligência, e o capelo, pequena capa curta de seda e veludo que representa a ciência. Ao fundo da sala, a Charamela, pequena orquestra da Universidade de Coimbra, termina o grande evento tocando o hino acadêmico. A cerimônia segue o mesmo ritual para as solenidades de entrega dos títulos de Doutor Honoris Causa.

Este espaço é a sala mais importante da Universidade de Coimbra. Foi a antiga Sala do Trono e, entre 1143 e 1383, foi morada, dos reis da 1ª dinastia portuguesa. Foto: UC / Divulgação.

Quem vai visitar a Sala dos Atos Grandes também tem que passar pela Sala do Exame Privado e a Sala das Armas. A primeira é da época em que a construção fazia parte da ala real do palácio e servia de local de repouso ou mesmo pernoite para o rei. Foi nesta sala que aconteceu a primeira reunião oficial do reitor com os professores da universidade, em outubro de 1537, quando a instituição foi definitivamente transferida para Coimbra. Até então, a universidade funcionava em Lisboa. A Sala das Armas, também parte do que era o antigo palácio real, ainda hoje guarda as armas da Guarda Real Acadêmica, que atualmente são usadas nas cerimônias acadêmicas mais solenes.
 

Infelizmente, mais de 700 anos de história e tradição não cabem num artigo tão singelo. Nem posso sugerir que venham passear por Coimbra, porque nossas fronteiras continuam fechadas. Mas quem quiser sentir um gostinho de uma das universidades mais bonitas do mundo pode fazer um passeio virtual clicando aqui https://www.youtube.com/watch?v=JBvOiX0-WHY

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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