É por isso que a experiência com lugares é sempre única: dois turistas podem ter lido os mesmo guias de Paris, estudado os mesmos livros sobre a cidade, visto as mesmas fotografias… podem até ter feito uma viagem idêntica, terem se hospedado no mesmo hotel, feito refeições nos mesmos restaurantes – a Paris de um deles nunca será a Paris do outro, simplesmente por serem pessoas diferentes, com histórias diferentes.
Vivo em São Paulo desde que aqui nasci. Ao longo desse tempo, relações pessoais, atividades profissionais e uma constante curiosidade me fizeram percorrer inúmeras regiões da cidade. “Descobrir” comércios e serviços únicos, específicos ou inesperados, nos mais variados bairros, sempre foi um grande prazer para mim: uma costureira no Jardim Paulista que faz cerzidos invisíveis; uma confeitaria na Mooca onde se encontram bolos confeitados típicos dos anos 50; um certo restaurador de pianos na Vila Medeiros, uma marmoraria na Água Branca, um tecelagem na Lapa… há anos guardo uma caixa cheia de recortes de jornais e revistas com incontáveis endereços, referências para o que se puder imaginar – esta cidade tem de tudo, em todos os estilos, para todos os bolsos. Vista pelos meus olhos, é a minha São Paulo; outros a percorrem, vêem e sentem de outra maneira, e estabelecerão com ela outras relações.
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Há alguns dias estou hospedando em minha casa dois estudantes europeus (ela francesa, ele alemão), amigos de minha filha. Ambos têm cerca de 24 anos, não falam português e nunca haviam estado em São Paulo (ele, em especial, nunca havia saído da Europa). E ouvir deles os relatos sobre seus passeios pela cidade tem sido uma deliciosa experiência – a experiência de ver minha cidade por outros olhos.
Diferentemente de mim, tão acostumada a esse contexto, eles parecem ter “antenas” mais sensíveis, que os fazem perceber muito mais as peculiaridades das coisas e das situações cotidianas, e se admirar com elas – coisas e situações que, por me serem familiares, já deixei de observar. Por exemplo, a fartura e a variedade de produtos em uma feira livre, a velocidade dos (novos) trens do metrô da linha amarela, a pluralidade étnica da população. Também a receptividade das pessoas, sentida em todos os lugares a que foram, tem sido uma observação recorrente (eles estão percorrendo a cidade sozinhos, a pé e por transporte público). Cuscuz paulista, mamão formosa, pão de queijo e banana prata foram descobertas emocionantes, assim como os densos e democráticos bares da rua Augusta, a arquitetura do centro de São Paulo, o mix hi-lo de Pinheiros e a estrutura do campus da USP, no Butantã. Contrastes sociais, pobreza, sujeira nas ruas, precariedade na infraestrutura, violência urbana… seus olhos não deixaram de ver nada disso, mas conseguiram ver muito além e – um aprendizado – se encantar com essa visão.
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Mesmo tendo feito a viagem juntos, não há dúvida de que cada um deles voltará para sua respectiva cidade com uma diferente São Paulo dentro de si – uma São Paulo que não é a minha, nem a sua, nem de qualquer outra pessoa. E isso é o que de mais fascinante existe na relação entre cada ser humano e os lugares que visitam ou habitam.
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Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas.