Você não precisa amar São Paulo. Mas pode construir aqui uma vida que você ame

 
Da turma que ama a cidade, ouviremos as declarações dos famosos exortando a gastronomia, a vitalidade, a energia criativa, a boemia. Os Demônios da Garoa vão tocar na Ipiranga com a São João. Alguém vai cantar “Sampa”. É possível que você ainda ouça as expressões “a terra da garoa” e “a cidade que não pode parar”.
 
Representando a outra turma, a dos que viveriam em qualquer outro lugar, já temos a pesquisa feita pelo Ibope: 68% dos que moram na cidade não hesitariam em deixá-la, se pudessem.
 
Parece um pêndulo. Ame-a ou deixe-a. Para fugir dessa dicotomia que anda assolando o país nos últimos tempos, proponho um caminho: reconhecer o conflito e tomar posse da cidade.
 
Sim, a vida aqui é difícil. A cidade é dura, às vezes muito feia, às vezes amedrontadora, segregada. De um lado, milhões de pessoas não participam da cultura urbana, de outro, milhões fogem daqui a cada minuto de feriado disponível.
 
Mas a cidade é o palco da única vida que temos. Aqui, conhecemos o amor, achamos um trabalho, encontramos amigos, vemos multidões, torcemos por um time, vamos à escola, compramos arroz e feijão, saímos de noite, dormimos, vivemos.

Uma cidade não é constituída de pedras, mas de homens, de cidadãos. Essa frase é do filósofo Alberto, o Grande, oitocentos anos atrás. São Paulo não é um assentamento de concreto. É o lugar em que vivemos em conjunto.

Ou seja, é melhor que nós e os outros 11 milhões de pessoas que moram aqui tratemos de tornar a experiência o melhor possível. A cidade não é um paraíso onde todos nós viveremos de mãos dadas aplaudindo o por do sol. Mas que cidade é assim? Reconhecer as diferenças e respeitá-las já tornaria a experiência de viver em conjunto bastante melhor.

 
Uma das melhores maneiras de se dar conta dessa diversidade e de transformar aos poucos a cidade é frequentar o espaço público.
 
Caminhando por aí você vai dando sentido a cada espaço, transformando-o em um lugar. E vai ver gente diferente de você. Não se engane, essa é a essência de morar num assentamento urbano – encontrar pessoas diferentes cotidianamente, como já disse o sociólogo Richard Sennet. 

E isso é bom! É claro que você não precisa conviver com todas as turmas. Aliás, há turmas que é melhor ver bem de longe. Claro, nada pior do que a violência ou o medo da violência, que devem ser combatidos diariamente. Curtir a diversidade é estar seguro de que a fruição aconteça, sem que o ser humano viva com medo de ser assaltado, atropelado, abduzido.

Mas há as boas surpresas, e cada uma vale a caminhada: vai ter sotaques diferentes, vai ter um casal namorando no metrô, vai ter músico na rua, vai ter uma família fazendo um piquenique no Ibirapuera, um vendedor engraçado na feira, um grupo de ciclistas à noite, um restaurante peruano, um bloco de carnaval que goste de música e que não faça xixi na rua, baladeiros voltando tranquilamente de madrugada, as curvas do Copan e até o seu vizinho passeando com um cachorro bem educado na padaria ali da esquina.
A diversidade e a vitalidade no Centro de São Paulo. Foto: Mauro Calliari.
Vamos tomando posse de cada cantinho da cidade. Um passo de cada vez. Um pouquinho melhor a cada dia. Daqui a um tempo, quem sabe a gente não se encontra no cruzamento da Ipiranga com a São João cantando “Sampa” a plenos pulmões?
 
Em tempo: Escrevi esse texto no aniversário de São Paulo de 2016 com o título ¨No aniversário de São Paulo, a cidade é de quem souber vivê-la¨. Em um ano, as pessoas mudaram, a gestão mudou, foram-se alguns, ficaram outros, a cidade cresceu mais um pouco, mas a questão continua: como dar sentido à vida numa cidade tão grande e tão difícil? Por isso, resolvi publicá-lo de novo. 
***
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional.  *Artigo publicado originalmente no blog Caminhadas Urbanas no Estadão.
 

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