Volta às aulas de bicicleta com mais segurança

O seguro escolar está legalmente definido na Portaria 413, de 1999, e constitui um sistema de proteção destinado a garantir a cobertura dos danos resultantes do acidente escolar. Há, como se pode imaginar, uma série de especificações sobre as coberturas e situações incluídas no seguro, mas, a grosso modo, a portaria considera acidente escolar qualquer evento ocorrido nas instalações da escola, no período letivo ou no trajeto entre casa e escola. Nesse último caso, o seguro cobria apenas as deslocações feitas a pé. Vale lembrar que ir para o colégio a pé é prática bastante comum por aqui, principalmente porque as crianças no ensino público – a imensa maioria – estudam nas escolas perto das suas casas. Um bom exemplo é a nossa própria história por aqui: assim que chegamos, fomos buscar vaga para o filho em uma escola. Era janeiro, aulas já começadas e, portanto, com menos margem de negociação e escolha. Conseguimos matricular num colégio “bem longe”, a cerca de três quilómetros de casa. A turma do agrupamento escolar, algo com a Delegacia de Ensino no Brasil, ficou até constrangida em nos oferecer apenas essa alternativa “muito” distante (achei que nem valia a pena explicar que em São Paulo era comum deixar o “miúdo” dentro de uma perua escolar por quase uma hora para percorrer pouco menos de sete quilómetros). E durante todo aquele primeiro ano, se perguntavam onde ele estudava, os comentários eram os mesmos depois da minha resposta. “Nossa, porque tão longe…!!!???”. Mas tanto falaram que decidimos trocar no ano seguinte, o que nos fez ficar a pouco mais de um quilômetro do nosso apartamento. Ainda não é a escola mais próxima, mas parece que já não somos assim tão cruéis com o pequeno…

Com a inclusão dos trajetos feitos de bicicletas na lista de atividades cobertas pelo seguro escolar, algumas cidades já se organizam para incentivar ainda mais que as crianças adotem definitivamente a magrela como meio de transporte. Na cidade de Loulé, na região do Algarve, por exemplo, a Câmara Municipal, aproveitando também o gancho da Semana Europeia de Mobilidade, a partir de 16 de setembro, organizou uma série de atividades com o tema “Caminhar e Pedalar em Segurança”. Uma das principais iniciativas é a “Tens pedalada para a escola?”, que vai envolver a comunidade escolar e incentivar que alunos, professores e equipe administrativa usem as bicicletas para ir e vir da escola agora no início do ano escolar.

Outra cidade que segue o mesmo caminho é Torres Vedras, no distrito de Lisboa. Por lá, o ano escolar começa com um projeto que pretende ensinar as crianças a pedalar e, como consequência, incentivar que as bikes passem a ser o veículo para ir à escola. A iniciativa em parceria com a Federação Portuguesa de Ciclismo pretende que toda a comunidade escolar adote as magrelas para os trajetos entre casa e colégio. O município já possui uma rede de ciclovias de 40 km e oferece cerca de 300 bicicletas públicas. E no plano de mobilidade da cidade já estão alocados quase três milhões de euros para ampliar a rede de ciclovias e a quantidade de bike públicas, além de criar locais específicos para estacionar as bicicletas. Todos os investimentos anunciados agora na volta às aulas pretendem mudar significativamente alguns indicadores importantes: entre a população escolar, 38% dos estudantes ainda se deslocam para a escola em transporte individual e 29% usam os transportes públicos coletivos. A bicicleta e a caminhada aparecem em últimos lugares.

Em Braga, não vai colar dizer que perdeu a aula porque furou o pneu... Foto: Observador.

Do distrito de Lisboa para o de Braga, mais ao norte, a combinação de bicicleta e volta às aulas também segue a mesma temática: ensinar a pedalar e incentivar que a meninada opte pelas bicicletas no caminho do colégio. Por lá, faz parte dos projetos dar também noções básicas de manutenção das bicicletas. Ou seja, não vai colar dizer que perdeu a aula porque furou o pneu… 

Apesar de Braga já ter as bicicletas mais enraizadas na sua cultura, há também a noção de que ainda é preciso fazer ajustes e reorganizar ruas para que as crianças possam adotar definitivamente a bicicleta como meio de transporte para a escola. A meta é que ao menos 10% da população use a bicicleta como meio de transporte regular até 2025 em Braga (vale lembrar que atualmente apenas 1% da população portuguesa adota as magrelas como veículo). “Queremos uma ‘cidade 30 km/h” para garantir que os nossos filhos possam pedalar em segurança para a escola. É preciso iniciar um ciclo de aposta na bicicleta para recuperarmos o atraso para outras cidades europeias”, declarou o presidente da Associação Braga Ciclável, Mário Meirelles.

Estratégia Nacional de Mobilidade Ativa quer que os portugueses pedalem 15 vezes mais para chegar à média europeia numa década. Foto: Reuters.

Aqui em Ovar, com tantos caminhos e pistas dedicados à bicicleta, a ida para as escolas sobre uma magrela é relativamente comum. Mas o que mais chama a atenção é ver pais e mães (sim, principalmente as mães) indo buscar os filhos na escola de bicicleta. E não é só: alguns avós também chegam felizes nas bikes para pegar os netos, que muitas vezes voltam sentadinhos no selim enquanto os vovôs e vovós seguem pelo caminho de volta empurrando a bike pelo guidão. Eu também faço a minha parte e já instalei um bagageiro na bicicleta, com direito a uma almofadinha adaptada, para buscar meu filho no colégio. E querem saber uma coisa: não sei qual dos dois se diverte mais!

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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