O apartamento não tem sacada e ele precisa manter a janela da sala fechada para que sua gata não fuja. A solução foi montar as colmeias em duas caixas de madeira que ele mantém em uma prateleira sobre a janela.
Também criou um sistema de “túneis” feitos com canos de PVC – para as abelhas saírem para se alimentar -, que tem até uma entrada de madeira para simular uma árvore.
Depois, o mais difícil foi pensar em um toldo na ponta de um dos canos para evitar que as abelhas morressem atraídas pelas luzes noturnas e fossem parar nas casas dos vizinhos.
“Queria ver se no centro da cidade, num lugar superárido, cercado por cimento de todo lado, daria para criar abelhas”, diz.
Deu certo. Além das sensíveis abelhas mandaçaias, ele cuida das pequenas jataís, ambas espécies nativas brasileiras de abelha sem ferrão.
“Abro as caixas uma vez por semana ou a cada quinze dias para ver se estão botando ovos novos e se não houve invasão de mosca”, conta. Se alguma abelha escapa, ele coloca de volta com a mão ou deixa que voltem à colmeia pelo cano.
A namorada Paula, com quem divide o apartamento, achou esquisito no início, mas passou a apoiar e gostar das abelhas. Os vizinhos de prédio também. Segundo Celso, as abelhas só vão onde há luz do sol e não os incomoda.
As jataís produzem um litro de mel por ano e as mandaçaias, cinco litros. Também fazem própolis, mas, em condições ideais, a produção seria bem maior. Celso não consome, pois está focado em observar o experimento.
Como tem menos de 50 enxames, ele precisou apenas fazer um cadastro técnico no Ibama e informar o objetivo da sua criação, sem precisar avisar a prefeitura ou outro órgão.
Alimentação
Na maior parte do ano não é preciso se preocupar em reforçar a alimentação das abelhas. Há flores suficientes na redondeza e ele fez uma hortinha vertical com hortelã, flores e pimenta perto das colmeias para elas coletarem pólen.
No inverno, coloca uma mistura de água com açúcar dentro da caixa para compensar a falta de flores.
Com as jataís, praticamente aposentou o guarda-chuva, pois o comportamento da abelhas seria um “ótimo serviço de previsão do tempo”. “Quando o céu está fechado e as jataís voltam para a colmeia, sei que vai chover em uns 20 minutos, então nem saio de casa”.
Celso é provavelmente a primeira pessoa a fazer tanto esforço para ter abelhas em apartamento em São Paulo, mas não é o único a querer criá-las em casa.
A fila de espera para ser guardião do grupo SOS Abelhas Sem Ferrão tem cerca de 60 pessoas – e já incluiu nomes como o chef Alex Atala, que recebeu um enxame para sua casa.
O jovem, que se forma neste ano, passou a ser um dos quatro administradores do grupo dois meses após participar de um evento que viu no Facebook. Hoje, gasta pelo menos quatro horas do dia pesquisando ou fazendo ativismo e pretende estudar o assunto em seu mestrado.
Uma das atividades do grupo é justamente resgatar abelhas sem ferrão em situação de risco em áreas urbanas e distribuí-las para interessados em cuidar delas. Não é necessário fazer curso para criá-las, mas eles dão dicas pela internet.
“Elas são inofensivas – as mais defensivas no máximo vão enrolar no seu cabelo ou tentar entrar no ouvido – e estão sumindo por causa do uso indiscriminado de agrotóxicos. São tão vulneráveis e a gente precisa delas, não tem como não se afeiçoar”, afirma.
Polinização
“Cerca de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal”, afirmou a professora Vera Lucia Imperatriz Fonseca, uma das autoras do estudo, em entrevista à revista Fapesp.
Nas cidades, explica Tereza Cristina Giannini, autora que coordenou a pesquisa, a importância das abelhas é de polinizar árvores e flores de parques e áreas verdes. Algumas árvores brasileiras só são polinizadas por abelhas nativas, por exemplo.
Preocupado com a diminuição das populações de abelhas no planeta, o empresário Alexandre Avari, de 38 anos, está há um ano na fila de espera do SOS Abelhas Sem Ferrão. Ele já cuidava de um ninho no muro de sua casa e entrou em contato com o grupo para saber como salvar três enxames do muro da casa de um amigo que ia fazer uma reforma.
Recebeu as instruções, fez o resgate sozinho e agora as abelhas do amigo estão preservadas e cercadas de flores. Mas Alexandre tem espaço para pelo menos mais duas colmeias em sua casa. “Elas estão aqui desde antes da gente, nós que somos intrusos, é uma questão de educação, se a abelha escolheu aquele lugar, quem sou eu para tirar”, diz o empreendedor do ramo de inovações em tecnologia.
Educação Ambiental
As ações, tanto presenciais, como campanhas na internet, são direcionadas para combater o desconhecimento. “Nem todos que vão ouvir as palestras vão querer criar abelhas, mas vão ser guardiões mesmo sem ter enxame em casa, vão conhecer e evitar que elas sejam atacadas”.
Além dos quatro administradores, o SOS Abelhas Sem Ferrão tem 13 conselheiros, entre técnicos agrícolas, pesquisadores, engenheiros florestais e policiais ambientais aposentados, e já tem unidades no Vale do Ribeira, em Guaxupé (MG), Uberlândia (MG) e Jeremoabo (BA).
Dificuldades na cidade
“Fui na hora em que me avisaram, mas não consegui salvar. Fico com a imagem das abelhas entrando no tronco da árvore e saindo, dando voltas sem achar seu ninho”, conta. “Com certeza elas morreram, pois as abelhas que voaram não tinham lugar para voltar e as larvas se afogam no próprio alimento quando deixam o tronco deitado, e depois mandam para o aterro sanitário”.
A Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, que realiza as podas, ao ser avisada do caso pela BBC Brasil, respondeu que “desconhece casos de colmeias que tenham sido removidas durante a execução de serviço de poda ou remoção de árvores, realizado por equipes das subprefeituras, que têm acompanhamento de técnicos.”
As abelhas sem ferrão são animais silvestres protegidos por lei e sua eliminação é crime ambiental, que deve ser denunciado à Polícia Ambiental, segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
“Há uma boa vontade da organização da Prefeitura, principalmente da Secretaria do Verde e Ambiente, mas tem um problema com relação a empresas terceirizadas”, diz Celso. Já fizemos uma capacitação para uma dessas empresas, mas muitas vezes a gente oferece o treinamento e não tem resposta. O ideal é capacitar os engenheiros que fazem o laudo para a retirada das árvores”.
***
Por Paula Moura da BBC Brasil.