Da Redação.
A pandemia do COVID-19 provocará uma mudança para cidades mais saudáveis que se concentrem no bem-estar em vez de preocupações operacionais e econômicas?
Esta é uma hipótese que parece ser apoiada por vários pesquisadores ao redor do mundo. De muitas maneiras, as medidas de contenção e distanciamento físico contribuíram para um maior reconhecimento da importância do espaço público como local de encontro e ferramenta essencial para atender às necessidades básicas das pessoas. Os moradores urbanos estão mais conscientes do importante papel deste espaço como sendo um ambiente vital e essencial para o seu bem-estar físico e psicológico.
Os parques tornaram-se essenciais
O isolamento forçado e o distanciamento social durante a pandemia exacerbaram a solidão e a ansiedade de parte da nossa população. Numerosos estudos mostram que a solidão está ligada a grandes problemas de saúde, incluindo depressão, problemas cardíacos e redução da expectativa de vida .
Nas últimas décadas, o individualismo e as novas tecnologias já contribuíram para esse isolamento. As compras online chegaram ao ponto de nos privar das micro-interações que às vezes representavam nossos únicos contatos sociais diários.
Muitos paulistanos em isolamento forçado puderam apreciar as vantagens do espaço urbano da cidade usando suas varandas, janelas, pracinhas e vielas, o que lhes permitiu manter certos contatos e trocas com os vizinhos próximos, respeitando o distanciamento físico. Das conversas de uma janela para a outra aos encontros à pequena distância entre vizinhos na rua, o ambiente doméstico conseguiu ampliar-se graças à manutenção do contato humano.
Os espaços públicos, principalmente os parques, também têm se mostrado essenciais para a socialização, principalmente para os jovens. O acesso à natureza, aos amplos espaços abertos e aos equipamentos esportivos e de lazer surge como uma necessidade vital, com benefícios individuais e coletivos. Caminhar, uma das únicas formas de exercício acessíveis a muitas pessoas, tornou possível escapar do confinamento com exposição ao ar fresco e ao sol.
A pandemia mostrou as vantagens de converter algumas ruas importantes em passarelas de pedestres, mesmo que temporariamente, e a necessidade das calçadas serem melhor cuidadas. Também demonstrou a relevância de grandes parques – em São Paulo, o Ibirapuera e outros conhecidos da cidade – para a manutenção da saúde física e mental.
A contenção também revelou a importância dos espaços públicos para animais de estimação, cuja adoção aumentou 50% a partir do início da pandemia. Mais do que uma fonte de companheirismo e carinho para as pessoas que sofrem com o isolamento, os animais de estimação também são motivo para tomar ar fresco e passear, servindo como motivador social e proporcionando uma oportunidade de socializar com outros donos de animais.
Iniciativas ao redor do mundo
Cidades ao redor do mundo perceberam a importância de maximizar o acesso ao espaço público . Ao longo da contenção, houve uma variedade de iniciativas criativas e de baixo custo para tornar os espaços urbanos seguros e adequados. Nisso, a pandemia pode ter causado uma vítima não intencional: a visão sobre os motoristas e as cidades. O novo contexto da saúde tem provocado uma conscientização coletiva sobre o excesso de espaço dedicado ao automóvel e o interesse em colocar esse espaço a serviço das pessoas.
Sem querer eliminar o automóvel individual da paisagem urbana, as cidades têm procurado promover uma divisão mais equitativa do espaço público entre diferentes tipos de usuários e modos de mobilidade.
Houve um aumento significativo de ruas de pedestres e de uso compartilhado e mais ciclovias. Em Roterdã, os carros são proibidos em algumas das principais ruas após as 16h para que os pedestres possam usá-las. Em Oakland, na Califórnia, as ruas estão sendo transformadas em “ruas lentas” – áreas de uso misto onde os carros são tolerados, mas não têm mais prioridade. Portland, no Oregon, está transformando grandes estacionamentos urbanos em bairros de baixa renda em feiras livres.
Um acesso pavimentado no Parque La Fontaine de Montreal é agora dedicado às bicicletas. O sucesso comercial das ruas de pedestres em Montreal garantiu a sobrevivência de pequenos negócios, bares e restaurantes.
Multiplicam-se as práticas artísticas, sejam elas de música, teatro, dança ou projeções multimédia, permitindo aos artistas mostrarem-se e ganharem alguns trocados. Para pessoas com mobilidade reduzida ou incapazes de estacionar nas proximidades, foram propostas soluções criativas, como carrinhos de mão e riquixás.
Estar fora o máximo possível
Outra tendência reforçada pela pandemia é a da agricultura urbana, com acentuado ressurgimento de micro-hortas em varandas, pátios ornamentais e vielas . Não é apenas uma questão de autossuficiência alimentar, mas uma necessidade de tocar a terra, uma espécie de terapia agrícola e um desejo de comer de forma mais saudável.
Outros aspectos do desenho urbano podem ser afetados pela pandemia, devido aos riscos de transmissão. A taxa mais lenta de contágio em espaços ao ar livre significa que é mais seguro fazer compras em uma rua comercial e em um mercado público do que em um shopping hermeticamente fechado ou em uma grande área com ar condicionado.
Os edifícios também terão que ser redesenhados para oferecer mais ventilação natural e espaços ao ar livre, sejam eles individuais ou coletivos. Estes podem assumir a forma de terraços, pátios e varandas. Na cidade, espaços e equipamentos comuns como pontos de ônibus, calçadas, faixas de pedestres e áreas de descanso terão que ser redesenhados de forma sustentável.
Algumas realocações temporárias de espaço para carros podem se tornar permanentes após o fim da pandemia. Já existe um aumento no uso de transporte ativo, o que pode ter um efeito positivo de longo prazo no congestionamento urbano e na saúde pública. Muitas cidades estão repensando todo o seu sistema de mobilidade urbana . Paris já planeja remover 72% das vagas de estacionamento nas ruas para dar mais espaço para bicicletas .
A pandemia terá, assim, acelerado tendências já emergentes para uma cidade mais saudável, humana e ativa, criando novos hábitos que podem sobreviver a ela.
Paradoxalmente, o COVID-19 também pode trazer benefícios de saúde pública a longo prazo, promovendo uma população mais ativa, auto suficiente e solidária.
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A Tegra Incoporadora é responsável por mais de 30 espaços públicos em São Paulo com seu programa “Gentilezas Urbanas“. Entre os espaços assumidos pela empresa, estão calçadas, canteiros, muros e praças como a Vinicius de Moraes, a Ayrton Senna e uma quadra da Avenida Paulista entre a Rua Pamplona e Alameda Campinas, que são revitalizados e mantidos pela companhia.
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