Existiu até um pequeno móvel, uma espécie de cadeira com o assento vazado para melhor acomodar o traseiro e o penico colocado por baixo. Consta que os serviçais de D. João VI sempre levavam uma cadeira destas nos passeios do rei, porém nunca encontrei qualquer referência a tal artefato em São Paulo. Não faço ideia do que faria uma visita a uma casa de família em caso de aperto.
Quanto aos banhos, bem, estes eram de bacia mesmo. Uma memorialista nos conta que após os trabalhos costumeiros na “sala de costura”, à noitinha, as pretas costureiras levantavam acampamento e “iam preparar os quartos para a noite, colocar velas nos castiçais e arear as bacias para os banhos”. E esta memorialista pertencia a uma das famílias mais abastadas de São Paulo na segunda metade do século XIX.
Somente final do século XIX, com o abastecimento de água um pouco melhor, foram desativados os últimos chafarizes públicos. Ao mesmo tempo criava-se uma limitada rede de esgotos, que eram lançados no Rio Tietê sem nenhum tratamento.
Então algumas casas passaram a contar com banheiros. Mas somente as casas ricas. As mais simples ainda usavam o velho sistema. Zica Bergami (1913-2011), compositora de Lampião de Gás, relatando sua infância, conta que “naquela época, só havia toilettes nos grandes palacetes dos bairros ricos. Os menos favorecidos tinham que se arranjar com tinas ou bacias enormes ou, então banhavam-se à noite, nos tanques dos quintais, depois que todos dormiam”.
No século XIX eram comuns, nos grandes centros europeus, as casas de banhos, porém em São Paulo a primeira notícia que se tem de uma casa de banho é de fevereiro de 1857, quando Carlos Pedro Etchecoin anuncia a abertura de sua casa Banhos de Saúde, na Rua do Carmo. Oferecia “banhos de lavagem ou de vapor, segundo o gosto ou a necessidade de cada um”. Mas eram banhos de caráter medicinal, com acompanhamento médico. Não deve ter durado muito tempo, pois outro Etchecoin, agora João Luis Etchecoin e Companhia, proprietários do Hotel Quatro Nações anunciava em 1863 também “banhos de corpo inteiro no dia 15”.
A primeira casa de banhos de caráter não só higiênico, mas também com função social somente apareceu em 1865. Chamava-se A Sereia Paulista. Foi inaugurada em 28 de setembro de 1865, para grande alegria do jornalista do Correio Paulistano que há algum tempo vinha se queixando da falta que fazia tal tipo de casa na capital. Seu proprietário era Bento Vianna e ficava na Rua São Bento, o imóvel pertencia ao mosteiro de São Bento.
É a casa que vemos na foto de capa desta matéria. Era uma casa grande, ia da Rua São Bento até a antiga Rua São José, atual Líbero Badaró, onde era assobradada. Tinha um poço para abastecimento de água, reservatórios, aquecimento e vários quartos com uma banheira de mármore em cada um. Um dos quartos era adaptado para “banhos de chuva”. Na sala da frente, “refrescos finos e bebidas de espírito”. Na época era propriedade de Henrique Schroeder.
No dia primeiro de janeiro de 1871, um personagem pitoresco adquiriu a Sereia Paulista. Trata-se de José Fischer, um húngaro alto, barbudo e ranzinza que havia chegado ao Brasil no ano anterior. Fischer reformou a casa e ao longo do tempo transformou a sala onde eram servidas as bebidas em restaurante. Ficou famoso pelos bifes à Leipzig, que ficaram popularizados como bifes à cavalo. Por um bom tempo tornou-se um bom programa paulistano ir tomar banho na Sereia e depois jantar um bife com vinho húngaro que era uma novidade para os brasileiros.
Diz antigo cronista que levava ao pé da letra a metáfora de não tolerar que na sua casa ninguém falasse mais alto que ele. Sabendo disso, os estudantes da Academia, por gozação, entravam em fila e iam cumprimentando em tom cada vez mais alto e Fischer respondendo ainda mais alto. No final da fila estavam aos berros.
Somente recebia clientes masculinos e era muito frequentado pelos membros da colônia alemã. Quanto à sereia, ficava somente no nome e numa pintura feita por Nicolau Huascar que servia de emblema da casa. Um viajante, Karl Von Koseritz, que certamente conhecia casas de banho europeias, visitando São Paulo em 1883, foi levado para uma visita à Sereia Paulista e relatou: “os meus leitores hão de compreender que fui à sereia com as maiores esperanças e com água na boca, mas a desilusão foi completa. A sereia se nos apresentou sob a forma de um corpulento e amplamente barbado senhor Fischer, um húngaro, que é o proprietário desta taverna, reconhecidamente a melhor de São Paulo”.
Fischer importava vinhos da Hungria, principalmente dos tipos Tokay, Ménesi e Ruszti, porém espalhou-se o boato que o vinho servido na Sereia era produzido no Tietê. Cansado das boatarias, Fischer mandou publicar nos jornais um anúncio oferecendo um conto de réis a quem provasse que seu vinho não era da Hungria, caso contrário ficaria passando por mentiroso. Esquentado, não?
Em 1886, talvez Fischer já estivesse um pouco cansado do negócio, pois colocou a Sereia Paulista à venda. Não deve ter conseguido nenhuma boa proposta de negócio porque somente em 1891 é que passou a casa a uma Companhia Sereia Paulista que, apesar de ter planos de construção de um prédio maior, acaba entrando em liquidação dois anos depois.
José Fischer retirou-se para Dassau, Alemanha onde faleceu em 1898.
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Por Edison Loureiro em seu blog São Paulo Passado.