A semana passada foi cheia de acontecimentos que mexeram com a nossa urbanidade.
Em São Paulo, duas tragédias, um homem morreu após ser atropelado por uma bicicleta na faixa de ônibus sob o Minhocão e um menino morreu abalroado enquanto pedalava por uma ciclovia. No Rio de Janeiro, um homem morreu na calçada, atropelado por um carro dirigido por um motorista embriagado.
No fim de semana, o fechamento da Av. Paulista para carros trouxe uma multidão, estimulou as conversas e foi complementado pela informação da Prefeitura de que pretende fechar uma rua regularmente em cada uma das subprefeituras.
Nenhum desses fatos é intranscendente. De um lado, um desejo claro de ocupação das ruas. De outro, uma carência de infraestrutura, de educação e de comunicação.
Será que não dá para a gente tirar alguns princípios e lições disso tudo? Pensando nisso, listei algumas idéias que me ocorreram após essa semana tão intensa e que talvez nos ajudem a pensar em ações que melhorem a vida de quem anda a pé na cidade:
1. Nosso debate anda muito dogmático.
As pessoas parecem ser incapazes de se colocar no lugar de outro. O corporativismo dita as opiniões. Se eu ando de bicicleta, vou defender os ciclistas. Se tenho um carro, farei o possível para não ceder um milímetro. Se eu tenho um taxi, uma moto, etc. Mas há dados, experiências internacionais e conhecimento acumulado por organizações que ficam de fora do debate. E, principalmente, parece não haver fóruns adequados onde se discutam princípios comuns entre as pessoas, as entidades, o comércio, a mídia, o poder público.
E um dos princípios deveria ser o de que não é admissível ter uma cidade em que as pessoas morrem às centenas em acidentes estúpidos e que poderiam ser evitados.
2. Aprendemos que não há acidente que não tenha conseqüências.
Dependendo da velocidade, uma bicicleta pode derrubar uma pessoa. Isso pode, como aconteceu, terminar em morte e é preciso combater esse risco urgentemente.
Mas não nos esqueçamos também que no ano passado foram duas pessoas que morreram atropelados por bicicleta. E mais de quinhentas atropeladas por carros, motos e ônibus. Nas ruas, nas faixas de pedestre, nas faixas de ônibus e até, insanamente, em cima da calçada.
A meta não pode ser a mera redução do número de acidentes e sim a sua supressão.
3. É melhor encarar o conflito do que fugir dele.
Ficou explícito que a convivência entre os chamados “modais” diferentes não é fácil. Às vezes parece que há excesso de discussões na cidade. Sobre esse tema, acho que é o oposto.
Basta ver: motos andam buzinando pelas faixas no meio dos carros, ônibus encaram carros em mudanças bruscas de faixa, ciclistas vêem com estranheza pedestres na ciclovia, carros não dão passagem nas faixas de pedestres.
A constatação do conflito é sinal de maturidade. Não adianta imaginar que o simples bom senso vai dar conta de resolvêlo. Na Praça Roosevelt, por exemplo, foi preciso ter intervenção da prefeitura para poder resolver o conflito entre skatistas e demais freqüentadores da praça.
Se a educação não dá conta de resolver conflitos, o poder público tem que mediálos.
4. As pessoas estão loucas para andar pela rua.
Basta fechar uma rua que aparece um monte de gente. De bicicleta, a pé, patinete, skate. Onde eles estavam antes? Fechados em casa, num condomínio? O fato é que as pessoas gostam de um lugar sem carros. Sem medo, sem barulho e sem fumaça.
Na Virada Cultural, vi gente que parecia mais interessada em andar pelo meio da Avenida Ipiranga vazia à noite do que em assistir aos shows.
5. As calçadas continuam ruins e as travessias, piores. As calçadas continuam ruins.
Torço para que sim, mas imagino que não. Qualquer obra que não seja testada, usada, por pessoas, ao vivo, dificilmente será adequada no que mais interessa: os detalhes.
Será que isso está sendo feito agora, enquanto alguém se prepara para atravessar uma rua?
Fonte: O Estado de S. Paulo.