Cidade higiênica, pessoas sujas

Anos atrás o tentou-se tornar a cidade mais limpa, a coisa certa da maneira errada. Como a municipalidade não conseguia por ordem nas publicidades, cartazes, outdoors, neons, etc., resolveu de uma maneira bem brazuca: proibiu tudo. Mas não criou programas eficientes para que os proprietários cuidassem de suas fachadas.

A cidade ficou limpa?

Não, ficou sem o multicolorido (em geral bem feio, mas nem sempre…) das publicidades e passou a ostentar fachadas horrendas antes dissimuladas, paredes deterioradas, muros encardidos, aberrações arquitetônicas.

Hoje há a predominância dos rabiscos insanos dos pichadores – os grafiteiros continuam “sob controle”…

Quanto mais tentam controlar São Paulo mais ela foge ao controle – basta lembrar que ela inunda porque foi construída sobre seus córregos e lagunas…

Exemplo recente desse controle desajeitado: os moradores de rua.

Como todo ano, a chegada do frio traz o assunto à baila, expõe aquela gente suja que a cidade tolera porque não sabe o que fazer com ela. No frio, os seres invisíveis passam a fazer parte da paisagem ainda e sempre desumanizados.

Não se trata de uma jabuticaba, ou seja, coisa que só tem no Brasil, longe disso.

Segundo dados da ONU, são 100 milhões de pessoas vivendo nas ruas em todo o mundo.

Mesmo nos países desenvolvidos, principalmente depois da crise econômica de 2008 e ainda mais com a recente crise dos refugiados.

Na Alemanha (80 milhões de habitantes) havia em 2012 280 mil pessoas sem ter onde morar. A Espanha (46,6 milhões de cidadãos, apenas o dobro da Grande São Paulo) tinha até pouco tempo 1,5 milhão de famílias em abrigos e 23 mil pessoas morando nas calçadas. E o minúsculo Portugal (10 milhões de patrícios), cerca de 4 mil moradores de rua só em Lisboa e no Porto.

E o grande ricaço do norte, os Estados Unidos? Tinha mais de 600 mil “homeless” em 2012.

Dados mais recentes: 57 mil pessoas vivendo nas ruas de Nova York, população de 8,5 milhões.

Aqui do lado é assim: Buenos Aires (Argentina) tem 15 mil pessoas morando na rua para uma população de 3 milhões, e em Santiago (Chile) há 5,5 mil para 5 milhões – Paraguai, Uruguai, Peru e Bolívia têm números conflitantes nesta área.

Bem, conflito é o que não falta quando se fala em moradores de rua.

Sobretudo quando se fala dos nossos “homeless”: cerca de 16 mil para uma população de 11,9 milhões de paulistanos.

Aumenta, diminui, mas fica por aí. Entra prefeito, sai prefeito – direita, esquerda, centro – e o problema persiste, as políticas públicas são inócuas, um põe a culpa no outro – Marta Suplicy desancou Fernando Haddad em recente artigo na Folha, como se ela tivesse feito algo de realmente diferente quando governou a cidade…

Trata-se de uma questão irresolvível?

Talvez.

Por isso mesmo, pela delicadeza do tema e pelo mínimo de respeito que se deve a pessoas penalizadas pelo destino, há que ter cuidado, tato e generosidade.

“Limpar” a rua em nome da preservação do espaço público é de uma burrice fenomenal.

Ao permitir que sua militarizada guarda municipal fizesse isso, recolhendo liminarmente colchões, molambos e demais pertences dos moradores de rua mesmo com a temperatura glacial do fim de outono, o atual prefeito quebrou a cara.

Expôs inabilidade e insensibilidade ao mesmo tempo; voltou atrás, mas o estrago já estava feito.

Estrago que certamente impacta na popularidade de Fernando Haddad, que já anda bem mal das pernas: 7% das intenções de voto para as eleições deste ano, com a liderança (26%) do indescritível Celso Russomano…

Agora, convenhamos: as acusações de incompetência do Haddad tem fortes componentes de hipocrisia, seja por parte dos que querem “salvar” o povo de rua, seja dos que querem exterminá-los para deixar as calçadas limpinhas.

Um exemplo desta hipocrisia: como o assunto está na mídia e nas redes sociais por causa do frio, quem só agora passou a enxergar como gente este povo “sujo e malcheiroso” resolveu abrir o coraçãozinho: esta semana houve tanta doação de cobertores que ninguém sabe o que fazer com tanto pano.

Tipo assim: aqueça um pobre neste inverno e durma com a consciência tranquila…

(A foto acima foi feita por mim nos Jardins, área nobre da cidade, e é icônica da situação de quem não tem um teto, seja no frio ou no calor…).

***
Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Artigo publicado originalmente no blogdocaver assinado por ele.

 

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