Para Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, “a exposição é um percurso educativo pela obra do artista, que exercita a sensibilidade dos visitantes que perpassam o ambiente livre e acolhedor do Sesc Pompeia, e estimula a reflexão para novas apreensões da realidade propostas pelo olhar sensível do artista”. Danilo complementa afirmando que “a instituição cumpre sua missão ao difundir as Artes Visuais a um ampliado público, confirmando que a cultura é intrínseca ao desenvolvimento humano e mola propulsora de transformações que visam ampliar a qualidade de vida de toda a sociedade”, diz.
“Trabalhamos com um conjunto de obras que não foram mostradas no Brasil, ou que foram montadas há muito tempo – queríamos corrigir um lapso de uma ou até duas gerações, em alguns casos. Ainda que não seja uma retrospectiva, há um escopo de trabalhos bem diverso”, afirma Cildo Meireles.
Para desenvolver Entrevendo, a dupla de curadores teve dois pontos de partida, começando pela ideia polissêmica de “sentido” – sensação, compreensão, sinestesia, escala, direção e propósito, presentes na produção de Meireles. “A visão, que é o sentido mais associado às artes plásticas, é descontruída e desafiada em muitos dos seus trabalhos, que nos propõem perceber o mundo de outras formas e desconfiar daquilo que parece verdade”, afirma Rebouças.
A segunda premissa foi o próprio local da exposição. Para a curadora, levar essa mostra para uma instituição não-museológica, com múltiplos usos e públicos, é um gesto contundente e necessário. “Entrevendo foi pensada para dialogar com essa condição democrática e generosa que vemos no Sesc Pompeia. É importante apresentar a produção de Cildo Meireles para um público grande e diverso, fazê-lo participar e se engajar com sua obra, em diferentes linguagens, suportes e temas”, diz.
Com produção e expografia de Alvaro Razuk, a mostra ocupa uma área de mais de 3000m2 no Sesc Pompeia, entre a Área de Convivência, o Galpão e Deck. “Tendo em vista a qualidade arquitetônica do projeto de Lina Bo Bardi e as diferentes atividades que caracterizam a unidade, o projeto curatorial privilegia o amplo acesso e adequação do espaço físico, evitando a construção de novas estruturas ou a descaracterização do entorno”, fala Matos.
Percorrendo a exposição
Entrevendo, obra que dá nome à exposição, foi projetada por Cildo Meireles em 1970 e realizada pela primeira vez em 1994. A instalação cilíndrica de madeira convida o visitante a entrar e caminhar em direção a uma fonte de vento quente, enquanto derretem em sua boca gelos de água doce e salgada. Entre o claro e o escuro, o frio e o quente, o doce e o salgado, o visitante experimenta sensações que transbordam o campo da visão e deflagram outras maneiras de perceber.
O trabalho estará na Área de Convivência, livre de salas ou paredes, junto com outras grandes instalaçõesdo artista, comoAmerikkka(1991/2013). Pela primeira vez no país, a obra que já foi exibida em grandes instituições internacionais, como o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, em 2013, apresenta aproximadamente 17 mil ovos de madeira e 33 mil balas de armas de fogo. Caminhando sobre a plataforma de ovos e sob a placa de projéteis, é possível refletir sobre uma América marcada por guerras, desde os tempos coloniais, até recentes ataques realizados por organizações de extrema-direita, numa referência à KuKluxKlan, presente no triplo K do título da instalação.
Missão, Missões (Como construir catedrais) (1987/2019) ganha uma nova versão, em formato circular. Exibida na importante exposição Magiciens de la Terre, no Centro Pompidou de Paris, em 1989, o trabalho é constituído por milhares de moedas, ossos de boi, centenas de hóstias e trata dos processos missionários de catequização dos povos indígenas. “Quis construir uma espécie de equação matemática, muito simples e direta, conectando três elementos: poder material, poder espiritual e uma espécie de consequência inevitável e historicamente repetida dessa conjunção, que foi tragédia”, diz Cildo Meireles.
A obra se relaciona com Olvido (1987-1989), que traz uma tenda indígena coberta por cédulas de dinheiro de países americanos. Situada no meio de uma área circular com toneladas de ossos de boi e circundada por uma parede de velas, a tenda abriga um ruído de motosserra, que se propaga pelo espaço expositivo. Esses trabalhos, em conjunto, discutem a história do Brasil e das Américas, marcadas pela violência colonial que repercute ainda hoje nas estruturas sociais e políticas. Para além de lançar um olhar crítico sobre o passado, a obra de Cildo Meireles se atualiza a cada exibição, de modo a ressignificar questões da contemporaneidade.
Outra grande instalação desta mostra é Antes, obra concebida no ano de 1977 e realizada pela primeira vez em 2003, no Musée d’art Moderne et Contemporain de Strasbourg. Em montagem inédita no Brasil, ela permite ao público subir uma escada que leva a uma plataforma com uma cadeira e uma mesa. Sobre seu tampo, é possível observar uma outra escada, em escala menor, que leva a uma segunda plataforma, de onde parte outra escada. Ao criar uma nova relação de escala tanto com o ambiente expositivo, como com o corpo de quem o experimenta, o trabalho altera a percepção espacial do visitante.
A série Blindhotland (1970), por sua vez, será pela primeira vez apresentada na íntegra. Na Área de Convivência está a icônica Eureka/Blindhotland (1970-1975), cujo nome origina-se da interjeição supostamente pronunciada pelo matemático grego Arquimedes, quando descobriu a resposta para o dilema acerca do volume e densidade dos corpos. Na obra, Meireles experimenta diferentes relações entre peso, densidade e volume de objetos, como nas centenas de bolas de borracha aparentemente idênticas, questionando a dominância da percepção visual.
Podem ser vistos ainda neste mesmo espaço projetos, desenhos, ações, objetos e documentos da série Arte Física (1969), os trabalhos Zero Dollar (1978-1984/2013) e Zero Real (2013), a série Malhas da Liberdade (1976/2008), os projetos de Volumes virtuais (1968-1969), e Ocupações (1968-1969), entre outros.
No Galpão, a exposição assume uma proposta museológica com paredes e vitrines, apresentando desenhos e objetos, como Razão/Loucura (1976), Rodos (1978-1981) e Esfera Invisível (2012). Também estará presente parte das séries Espaços virtuais: Cantos (1967-1968/2008/2013), um dos primeiros trabalhos instalativos de Cildo Meireles.
Nesta área do Sesc Pompeia encontra-se ainda a instalação Volátil (1980/1994). Para chegar a uma sala escura, iluminada por uma única vela, o visitante percorre descalço um caminho instável, impregnado de cheiro de gás. Segundo o artista, a obra é “uma tentativa de associar sensação e emoção, produzindo um elo quase instantâneo, também ligado por esta região do medo”.
Com outras duas grandes instalações, a exposição ganha um caráter ainda mais participativo e público no Deck, “quase um jogo ou brincadeira, qualidades que na obra de Meireles abandonam seu caráter meramente lúdico para tratar de negociações entre espaços de poder e relações sociais ”, de acordo com Rebouças.
Blindhotland/Gueto (1975), montada uma única vez na década de 1970, traz bolas esportivas, como de vôlei e futebol, preenchidas por diferentes materiais. Assim como Eureka/Blindhotland, a obra desconstrói a relação direta entre tamanho e peso, provocando no visitante uma desorganização cognitiva e convidando-o a jogar em um território incerto. Já o trabalho (Entre. Parêntesis) (2005/2007) propõe ao visitante entrar entre dois semicírculos e experimentar um momento de digressão, protegido do ambiente externo e das narrativas que o circundam.
Serviço
Exposição Entrevendo – Cildo Meireles
Sesc Pompeia: Rua Clélia, 93.
Abertura para convidados: 25 de setembro de 2019, às 20h.
Visitação: 26 de setembro de 2019 a 02 de fevereiro de 2020.
Horários: Terça a sábado, 10h às 21h30. Domingo e feriado, 10h às 19h30.
Para agendamentos de grupos: escreva para o e-mail agendamento@pompeia.sescsp.org.br ou ligue para (11) 3871 7759.
Entrada gratuita.
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Com informações Sofia Carvalhosa Comunicação.