A morte de um homem que dormia na calçada na região de Pinheiros, zona oeste, na tarde mais fria do ano, na terça-feira, dia 18, sensibilizou grupos de amigos, famílias, religiosos e ONGs. Na noite seguinte à tragédia, a reportagem presenciou caravanas – nenhuma delas promovida pelo poder público – até de outras cidades da Grande São Paulo, como Caieiras, São Bernardo do Campo e Taboão da Serra, levando esperança a homens, mulheres e crianças.
“Vivo disso há quase 30 anos”, contou José Eugênio da Luz, de 45 anos, que tomou chocolate quente e pegou cobertor para levar até o canto onde dorme, em uma praça no Bexiga, na região central. “Nasci com uma deficiência mental e minha irmã, que é minha procuradora, rouba meu auxílio-doença”, completou o desempregado, cujo último endereço “fixo” foi a Favela do Moinho, no centro, até o último grande incêndio no local, em 2011.
Do ônibus no Pátio do Colégio desceram os Anjos da Noite, núcleo assistencial que distribui alimentos a necessitados desde 1989, ano em que Eugênio já frequentava as ruas.
O grupo circula aos sábados para atender até 800 pessoas em situação de rua em roteiro que começa no entorno do Mercado Municipal e acaba na Libero Badaró. Mas o frio extremo dos últimos dias motivou ação extraordinária de quarta-feira, 19.
“Nosso objetivo maior é resgatar a autoestima dessas pessoas. Todos os problemas aqui são de muita dor. Morrer uma pessoa de frio na maior cidade do País revela falta de comprometimento da sociedade, do poder público, das instituições”, disse Kaká Ferreira, presidente do Anjos da Noite.
Ajuda
Histórias de quem vive na rua variam entre dramas familiares, como separações, dependência química e criminalidade. Mas quando o tema é a assistência oferecida pelo poder público as queixas são de falta de vagas e excesso de regras nos abrigos da Prefeitura. À noite, a experiência comprova que, de fato, a abordagem do Estado é pequena.
“Nesta hora você não encontra mesmo ninguém da Prefeitura. Você tem de ver a cara de felicidade deles quando a gente traz uma garrafa com água, coisa que em casa nem damos tanto valor. Não tem dinheiro que pague isso”, disse o construtor civil André Luís Santos, de 36 anos, primeiro a chegar ao Pátio do Colégio na noite de quarta.
“Infelizmente, nesse período que a gente atua aqui, a população de rua triplicou”, relatou Santos. Segundo o último censo feito na capital, quase 16 mil pessoas viviam nas ruas.
Já era quase meia-noite na Praça da Sé e um grupo de amigos e familiares de São Bernardo ainda conversava com moradores de rua, após distribuírem roupas, bebidas quentes e até ração de cachorro. “Fico espantado que tem cada vez mais crianças”, disse o analista Jouds Pimenta Pinheiro, de 37 anos, que trouxe os mantimentos em dez carros. O excesso de doações levou até pessoas que moram de aluguel ou em invasões no centro a entrarem na fila para pegar roupas e comida.
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Por Fabio Leite em O Estado de S. Paulo.