‘Instalação Manoel de Barros’ revela o processo criativo do poeta, encantador e criador de palavras que dialogam com a natureza

Esses rascunhos materializam o processo de criação do poeta, que são a base da Ocupação Manoel de Barros, aberta no último dia 13 de fevereiro, que segue até 7 de abril no Piso Paulista do Itaú Cultural. A mostra dá continuidade, neste começo de ano, à série de ocupações idealizada pelo instituto para reavivar trajetórias artísticas de todas as áreas de expressão e culturais, fundamentais à percepção do Brasil e referenciais para as mais novas gerações de artistas. Com elas, revela-se ao público a formação do poder de criação de seus homenageados. 

A mostra

Desenho para o poema "O Guardador de Água". Imagem: Arquivo Pessoal.

Uma equipe do Itaú Cultural, formada pelos núcleos de Audiovisual e Literatura e da Enciclopédia, assina a curadoria da Ocupação Manoel de Barros. A expografia é criação de Adriana Yazbek, que idealizou todo o espaço em material reciclado, do chão ao teto, passando pelas paredes. Martha Barros, artista visual, filha do poeta e detentora dos direitos autorais de sua obra – que está sendo toda reeditada pelo selo Alfaguara –, passou o último ano e meio vasculhando os escritos, papéis, papeizinhos, anotações, imagens, cartas enviadas e recebidas, além de objetos caros ao pai em seu cotidiano, que agora dão forma à Ocupação.

“Tenho em casa uma biblioteca com as cartas, fotos e todo o material literário de meu pai, mas foi necessário fazer uma longa busca e organização para a exposição”, conta ela. “Desejo que esse esforço de todos faça as pessoas lerem mais, pois a melhor maneira de conhecer um poeta e a sua obra é lendo”, conclui.

Imagem: Arquivo pessoal / Reprodução.

No conjunto, esta ocupação é uma caminhada por palavras avoadas, livros e desenhos, mapeamentos afetivos, palavras transformadas em matéria e muitas texturas. O poeta dos dois estados de nome Mato Grosso – ele nasceu em MT e viveu boa parte da vida no MS, onde morreu – confeccionou e usou mais de 100 caderninhos de rascunho. Seis deles são exibidos completa e integralmente e outros esboços estão espalhados na mostra que leva o público a percorrer um caminho de letras e livros, dos pensamentos e desenvolvimento do processo criativo do poeta Manoel de Barros.

Um grande telão situado no centro do espaço expositivo pode ser visto desde a entrada do prédio. Nele, estão projetadas poesias com diferentes tamanhos de letra, algumas podem ser vistas de longe, outras só se pode ler realmente de perto, todas tem muitas cores. É um convite para a aproximação do visitante a este universo do poeta que vê o belo em caramujos e lesmas e escreve sobre o nada, “aprendimentos”, apanhadores de desperdícios ou o menino que carregava água na peneira, ou, ainda, sobre obrar, as grandezas do ínfimo e arranjos para assobio.

Por ali, além de seus rascunhos, o público encontra primeiras edições das obras do poeta, autorretratos escritos, textos originais, fotos, caixinhas de lápis e de canetas. Tem, ainda, cinco quadros assinados por Martha, que ilustraram capas dos livros do pai. A pintura dela costumava acompanhar a obra do autor.

Ele próprio fazia desenhos de linhas simples, que podem ser vistos na Ocupação. Assim como estão expostas cartas que Barros recebeu, respondeu ou escreveu primeiramente. Tem missivas do desenhista Millôr Fernandes, uma das personalidades que jogou luz sobre a sua obra nos anos de 1980, também dos escritores Mário de Andrade e Carlos Drummond e do chargista Henfil, entre outras. A lista de obras expostas contempla, ainda, fotos, trechos de entrevistas e também audiovisuais.

Aconchego para leitura

Mesa de trabalho do poeta. Foto: Lucas Barros.

A Ocupação Manoel de Barros apresenta recantos que aconchegam o visitante para que se aquiete e mergulhe nos escritos do poeta. Em um deles, pensado também como ferramenta de acessibilidade, poemas de sua autoria são ouvidos gravados na voz de Marcelino Freire e de Marlui Miranda. Ainda pensando na ampliação do acesso ao público, outros nichos apresentam vídeos com interpretação na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Os tradicionais audioguias, para orientar as pessoas cegas ou de baixa visão no espaço expositivo, inovam ao mesclar videoguia e audiodescriação com material de arquivo que apresenta documentação exposta na mostra.  

Tudo é envolto por uma cenografia colorida: do lado de fora, a fachada é pintada de azul forte que se combina com as cores de goiaba e de uva dos papéis reciclados que forram as paredes e os painéis suspensos no centro da Ocupação. De acordo com Adriana, o projeto expográfico se baseia na obra de Barros e o que dela se depreende. “É um poeta que enaltece as ‘grandezas do ínfimo’. Um poeta super imagético, que nos diz de várias formas que precisamos aprender a ver com o frescor do olhar da criança”, observa ela. Assim, o conceito cenográfico está elaborado em espaço fluido, sem obstruções, nem arestas, arredondado, sem sobrecarga de informações, aberto, amplo, colorido, leve e alegre.

“A poesia dele é muito rica em imagens, desta forma não quisemos utilizar nenhuma imagem literal dos elementos recorrentes em sua obra”, conta ela. “Assim, a fruição do visitante não é prejudicada, ele é convidado a apreciar as poesias de Manuel usando seus próprios recursos imaginativos. Qualquer elemento literal se transformaria em uma ‘legenda’ e empobreceria a experiência.

Seguindo a prática do autor que aproveitava cada pedacinho de papel para escrever e produzia seus caderninhos de rascunho utilizando postais que recebia, as paredes estão revestidas de papel reciclado confeccionado pelo Programa de Educação e Defesa Ambiental Ângela de Cara Limpa – Papel de Mulher da Sociedade Santos Mártires. Trata-se de um grupo que trabalha com educação ambiental, tem uma central de reciclagem, produz tijolos ecológicos, papel reciclado, agricultura urbana e empreendedorismo na região do Jardim Ângela.

Mais

Manoel na varanda de sua casa. Foto: Lucas Barros.

Uma publicação e um hotsite elaborados especialmente pelo Núcleo de Comunicação do Itaú Cultural complementam e incrementam a Ocupação Manoel de Barros. O hotsite (www.itaucultural.org.br) traz textos e depoimentos gravados sobre o homenageado. O escritor Mia Couto é autor de um dos escritos sobre o amigo. “Fala-se muito da capacidade de criação de neologismos do poeta do Pantanal. Creio que o seu mérito é bem mais do que a conquista do novo vocábulo”, escreve o moçambicano.

“Manoel revela toda uma língua que não há para nomear criaturas que existem numa dimensão que, sendo onírica, é tão real como qualquer outra. É sobretudo esse dom de revelação que me transporta para a minha infância, para essa busca infinita de brilhos na poeira”, continua para concluir: “É esse testemunho feito de emoção e gratidão que gostaria aqui de trazer. Anos atrás escrevi um poema dedicado ao poeta, chamado ‘Um abraço para Manoel’.” E a poesia acompanha a carta.

Há, ainda, textos da bióloga e amiga Clara Navarrete e do editor Luis Turiba, que escreveu como se estivesse conversando com o poeta. Entre os depoimentos gravados, encontram-se os da escritora e apresentadora Bianca Ramoneda, da atriz Cássia Kiss, do jornalista Carlos Savaget, de sua filha, Martha Barros, e do neto Felipe Barros de Escobar, além dos biólogos Hugo Aguilaniu, Nurit Bensusan, Bruss Lima, do Instituto Serrapilheira, no Rio de Janeiro.

Serviço

Imagem: Reprodução.

Ocupação Manoel de Barros
De 13 de fevereiro a 7 de abril.
Terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 20h (permanência até as 20h30).
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h.
Piso térreo.
Classificação indicativa: Livre.
Itaú Cultural.
Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô.
Fones: 11. 2168-1777.
Acesso para pessoas com deficiência.

***
Com informações do Itaú Cultural.

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