– Nossa, de onde o senhor traz esta árvore tão grande?
– É grande não, moça, temos até maior.
– Mas de onde é?
– Vem tudo lá do sítio de Hortolândia onde a gente moramos, tem pra mais de 100 pés por lá.
– E quanto custa?
– Tem essa pequena aí, sai por 7 mil reais, mas a gente entregamos.
Moro num apartamento e tenho lá minhas plantinhas na jardineira de minha piccola varanda, onde cultivo algumas orquídeas e pingo-de-ouro nas floreiras. Mas não se aproxima do jardim de inverno que Tuca Moraes criou em seu apartamento, onde, entre samambaias, avencas e muita folhagem, há até minijabuticabeira, de vaso, e já comi da frutinha brotada lá. Mas diferente é pé de fruta de viveiro.
A árvore que vi no caminhão me fez voltar no tempo. Levou-me para a chácara do Dr. Oswaldo Rudge, avô de Adriana Rudge Ortenblad, que era na Casa Verde. Coisas de minha infância, no final dos anos 1960, quando demorava um tempão a viagem. Saíamos da Rua Capitão Antonio Rosa e chegar até lá a um verdadeiro périplo! Dona Wilma reunia a criançada da rua e íamos de DKW-Vemaguete e numa Kombi, onde a briga era para sentar nas janelas e nos bagageiros. Rodávamos muito chão até pegar a estrada de terra, acreditem.
Helloo, estou falando do atual bairro da Casa Verde, que hoje fica ali. O pretexto era comer jabuticaba no pé. Deliciávamos-nos com essa frutinha com gosto de infância. As mães colhiam para fazer geleia, e nós disputávamos quem pegaria a maior das frutas tipo Sabará e Paulista.
Fiquei por instantes num flash back de pomares de minha vida e, lembrei-me de como minha mãe fala até hoje da beleza da alameda de jabuticabeiras no Haras Riachuelo, em Cotia, que era de meu bisavô, Antenor de Lara Campos. Os amigos aguardavam a época da fruta duas vezes ao ano: em agosto e setembro e entre janeiro e fevereiro. Minha bisa Amélia, que adorava cuidar da horta, do jardim e do pomar, convidava todos para pegarem suas longas taquaras, com uma cestinha de arame do tamanho da palma de uma mão na ponta, e se fartavam. Ela gostava do fuzuê e aproveitava para fazer um delicioso licor.
Os paisagistas garantem que essas árvores vendidas nas esquinas não são de viveiro coisa nenhuma. Quem teve a audácia de arrancar aquele pé de um pomar que não importa quantas árvores tinha? Pois então, quem foi o filho da terra, cá entre nós, o “Mané” esperto, que comprou e o que vendeu seu pé de jabuticaba para virar fetiche de paulistano mal informado?
Será que é sonho de sitiante, de beira de asfalto, em plena São Paulo? Será que aqueles que compram tem o prazer de ter a falsa ilusão de colocar na sua casa de campo, ou em seu jardim de São Paulo, e se sentir como se ele estivesse sempre por lá?
Se você já teve o prazer de plantar e cultivar um pé de jabuticaba, entende o que estou falando. A fruta é manhosa, gosta de água, de seu solo sempre úmido. A jabuticaba é menina-moça, delicada.
Comparo esses vendedores àqueles pilantras que vendiam saguis e tartaruginhas nos faróis antigamente. Tão criminoso quanto. Todos deveriam pagar para a comunidade o dano de arrancar uma árvore como esta: quem vendeu, quem revendeu e o sitiante esperto que a comprou. Todos estão faturando com esse escambo com a natureza.
Figura cantada em verso meio-brega-romântico, de Lulu Santos: “Dentro dos teus olhos/É um verso tão comum…/ olhos de jabuticaba/ Dentro deles eu me vi”. Do jeito que estão passando a mão nesta fruta-delícia, cuidado até com as tais morenas que enfeitiçam com seus olhos, poderosos como o quê.
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Marina Bueno Cardoso é jornalista, cronista colaboradora do saopaulosao.com.br e do site musarara.com.br. Ministra oficina de crônicas em unidades do SESC/SP. Esta crônica é de seu primeiro livro “Petit-Fours na Cracolândia”, publicado pela Editora Patuá.