O estudo da trajetória de um time de futebol amador de São Paulo permitiu à historiadora Diana Mendes Machado da Silva concluir que os clubes da várzea da cidade surgiram a partir de organizações “associativas”, com base em relações familiares e dinâmicas comunitárias.
Em seu trabalho de mestrado apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, A Associação Atlética Anhanguera e o futebol de várzea na cidade de São Paulo (1928-1950), Diana analisou uma série de documentos da entidade, fundada por brasileiros e imigrantes italianos, localizada no bairro do Bom Retiro.
Este “associativismo” possuía entre suas principais características a organização baseada no mundo do trabalho e no cotidiano familiar. “Além de laços de parentesco, os componentes do clube tinham profissões comuns”, conta a pesquisadora. Estes podem ser os motivos que explicam por que o clube está, ainda hoje, estabelecido no mesmo local, tendo resistido ao crescimento do bairro e às especulações imobiliárias.
Esta organização se deu ao mesmo tempo em que o futebol se caracterizava como um esporte elitista. Vários clubes eram formados por “cavalheiros” que se reuniam e faziam do jogo de futebol um acontecimento social. “Em seus times se reuniam os filhos das classes abastadas, alguns recém-chegados da Europa”, descreve Diana, lembrando que os que praticavam o esporte na várzea eram os chamados “canelas negras”.
Segundo a pesquisadora, esta diferença se acentuou com o uso do Velódromo da cidade e de outros espaços especializados como campos de futebol pelos clubes de elite. “No Velódromo, local onde hoje é a Rua Nestor Pestana, no centro da cidade, eram cobrados caros ingressos”, conta Diana. “Em contrapartida, o futebol de várzea da cidade tomou rumos diferentes, sendo uma prática de afirmação de elos sociais”, complementa. Aliás, o termo várzea advém da prática do futebol ter sido efetiva junto às várzeas dos rios, principalmente o Tietê — que tinha seu curso sinuoso — e o Tamanduateí, na época.
Cronologia e “mito”
Ao explorar o cotidiano do Anhanguera, a historiadora identificou o repertório cultural por meio do qual o esporte foi recebido entre os ítalo-brasileiros da Barra Funda. “Ainda que o Anhanguera tenha dialogado, em vários momentos, com o universo oficial, principalmente via imprensa, o clube se voltou menos para o modelo de organização clubística do association inglês do que para o das associações recreativas e de socorro mútuo, há muito tempo presentes na várzea do Rio Tietê”, descreve.
Fotos: cedidas pela pesquisadora.
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Por Antonio Carlos Quinto na Agência USP de Notícias.