Em tempos acelerados, loucos, líquidos, polarizados, complexos, a singeleza do ato de conversar ganha status de terapia. E em pleno “Setembro Amarelo”, vale dizer que não se trata de placebo ou de uma espécie de homeopatia social que ninguém sabe bem ao certo se realmente faz bem para as nossas mentes e corpos.
A palavra conversa do nosso vocabulário vem do latim conversare, da ideia do conviver com alguém. A raiz da palavra, “verso”, significa voltar, virar ou direcionar para algum lado que acompanhada do prefixo “com” de junto ou na companhia de alguém transmite a ideia de se virar para alguém ou virar a sua atenção para uma pessoa. O significado original estava relacionado a ideia de convivas, de estar na companhia de outras pessoas e desfrutar de convívio regular ou compartilhar intimidade. Com o tempo, a palavra perdeu a dimensão mais profunda de conexão e intimidade com alguém para significar apenas falar com outra pessoa.
A dimensão terapêutica da conversa resgata a dimensão do convívio e da construção de comunidade do falar da comunicação, do “quem não se comunica se trumbica” de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. A ciência já comprovou a relação entre os laços sociais e comunitários e a qualidade de vida e, em última instância, a mortalidade. A seminal pesquisa “Human Population Laboratory” de Bergman & Syme (1965) avaliou quase 7 mil adultos do condado de Alameda, Califórnia, que foram monitorados por nove anos em suas taxas de mortalidade. Os resultados mostraram que as pessoas que não tinham ou não cultivavam fortes laços sociais e comunitários eram mais propensas a morrer no período da pesquisa do que aquelas com contatos mais abrangentes e próximos. Os riscos relativos ajustados por idade e controlado por fatores que afetam à saúde para os mais solitários, quando comparados com aqueles com mais contatos sociais, foram de 2,3 anos para os homens e 2,8 anos para as mulheres. Em outras palavras, o Ministério da Saúde adverte que o não conviver, o não se relacionar e o não se virar para o outro faz mal à saúde.
Ensimesmada na correria do dia-a-dia, tendemos a fechar a porta para a vida e evitamos o contato com os nossos semelhantes. Considere as vezes em que apurados embarcamos no trem ou no avião, ou estamos na sala de espera de uma consulta médica com aquela cara de “não chega perto que não estou a fim de papo”. Na prática, na roda-viva de nossas vidas, muitas vezes, evitamos, consciente ou inconscientemente, a conexão com o outro que está ali logo ao lado compartilhando o mesmo átimo de espaço tempo com a gente.
No entanto, ao contrário do que imaginamos, um dedo de prosa com estes estranhos que teimam em cruzar nossas vidas todo o santo dia nos faria mais felizes do que ficar com a cara enterrada no celular ou lendo um livro ou fazendo qualquer outra coisa quando estamos no espaço público. Um estudo da Universidade de Chicago publicado em “Jornal of Experimental Psychology: General” comprovou que as pessoas, como costumamos brincar, “intensas”, que saem por aí puxando papo com os passageiros do metrô ou ônibus ou no Uber Juntos “maior galera”, que teimam em ser simpáticas e falantes no voo lotado da ponte aérea (como pode?) ou abrem um sorriso generoso cheio de simpatia prontas para jogar uma conversa fora, na prática, gozam de momentos mais prazerosos quando fazem isso do que aqueles que permanecem dentro de seus mundinhos com a cara amarrada.
Mas por que isso acontece? Será que a solidão aquela do ser que não ama, a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana, como um dia escreveu o poeta, tem lá seu barato e charme? Ou as pessoas confundem ou subestimam as consequências de conexões sociais distantes e frágeis?
O experimento para comprovar estas hipóteses, conduzido entre passageiros de trem e ônibus, solicitou a um grupo de participantes que se comportassem de diferentes maneiras dentro dos coletivos. Alguns foram instruídos a serem “intensos” e buscar conexão com a pessoa ao lado, outros a permanecerem no seu mundinho, e outros a se comportarem como de hábito. As pessoas que saíram do absoluto de si mesmo experienciaram um bem-estar maior nas ocasiões em que se conectaram com os outros do que quando não o fizeram. Outros participantes que permaneceram na observação destes experimentos, a contrario sensu, imaginavam que aconteceria o oposto, ou seja, as pessoas se sentiriam mais satisfeitas encerradas em suas solidões.
Estes resultados e conclusões, que devem surpreender muita gente, atestam sobretudo que os seres humanos são, em sua essência, animais sociais. Aqueles que confundem ou desprezam as consequências das interações sociais e da dimensão quase erótica da conexão não conseguem, em pelo menos certos contextos, ser suficientemente social para o seu próprio bem-estar. Assim, seguimos a nossa missão de fazer você voltar a conversar com o mundo que lhe rodeia. A sua saúde agradece.
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Por Luiz Alfredo Santos e Patrícia Maria Martins do Sidewalk Talk – Conversas na Calçada, que escrevem quinzenalmente no São Paulo.
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Referências
1. Dicionário Etimológico: https://www.dicionarioetimologico.com.br/conversar/
2. Berkman LF, Syme SL. 1979 Feb;109(2):186-204. Social networks, host resistance, and mortality: a nine-year follow-up study of Alameda County residents.
3. Epley, Nicholas, Schroeder, Juliana. Oct. 2014. Journal of Experimental Psychology: General, Vol. 143(5), Oct. 2014, 1980-1999.