Praticamente todos os dias, Taiguara percorre, ao lado do violonista Renato Commi, linhas de trens e metrô. Ele na flauta, o amigo no violão e vocal. A dupla se intitula Vagão Musical e, com muita disposição, cantam de 7 a 8 horas por dia – a maioria das vezes em pé, equilibrando-se entre os passageiros. O trabalho compensa, garantem os músicos. E compensa especialmente pela satisfação que lhes dá.
Como resistir ao pedido de um pintor de parede que quer ouvir Renato Russo? “Olha minhas mãos”, mostra para mim. “Essa tinta toda eu não consegui tirar, mas também não adianta esfregar muito, amanhã tem mais”, diz o rapaz sentado num banco do trem. Ele saía da Vila Olímpia e se dirigia à estação final, Grajaú. De lá, pegaria um ônibus para casa. “Ouvir essa música aqui está me fazendo um bem danado. É relaxante, faz a gente pensar em outras coisas, fora os problemas.” Renato, acatando o desejo do moço, cantou “Pais e Filhos”, do Legião Urbana, uma das mais cobiçadas nos vagões.
Capital Inicial, com “Primeiros Erros”, chamou atenção de um grupo de garotos e garotas com pouco mais de 20 anos. Eles pararam de conversar para cantar “meu destino não é de ninguém”, um trecho da música.
Executivos vestidos com ternos impecáveis e moças de saias e blazers também não se fazem de rogados. Muitos gravam, aplaudem e se sacolejam também, indiferentes aos olhares de quem está por perto.
Um casal apaixonado, comemorando 25 anos de relacionamento, fez um pedido especial. O homem quis oferecer “É isso aí”, de Ana Carolina e Seu Jorge, para a mulher, em plena viagem.
Algumas vezes são celebrados aniversários nos trens. Com frequência rolam serenatas, como a do casal celebrando bodas de prata.
Taiguara e Renato vão e voltam na linha, depois pegam o metrô. Em certas estações, um segurança olha feio quando a porta abre e pede para eles pararem. “É proibido?”, indaga irônico Renato. “Sim, é”, confirma o guarda. Os músicos então se calam por uns segundos. Assim que o trem parte, eles continuam a cantar.
“Eu acho a coisa mais linda essa interação com o público, é o que me move todo dia”, diz Renato, nascido na Avenida Paulista. Sua carreira de músico teve início no teatro, numa apresentação de uma ópera rock, em 1983. “Eu me intitulo um músico itinerante, toco aqui, que é em qualquer lugar. Aqui eu me expresso, me comunico, passo minha mensagem.” Para ele, não há comparação entre tocar no trem e num bar. “O trem ganha de longe em termos de satisfação pessoal e até financeira”, assegura. “Num bar, as pessoas mal te veem”, completa. Aqui, elas estão prontas para receber seu trabalho, estão ávidas por isso”, acredita.
Taiguara acha que o melhor de tocar na rua é acreditar que, com sua música, ele pode mudar o dia de alguém, tornando-o melhor. Estudante e pesquisador de música desde 1998, o flautista, nascido no Grajaú, zona sul, bairro onde mora até hoje, conta que deu seus primeiros passos na rua tocando na porta da estação Vergueiro do metrô. “Percebi que as pessoas gostavam e vinham conversar comigo. Fui pegando gosto por aquilo. Até que, através do meu irmão, conheci o Renato.” Eles começaram para valer a parceria em meados de 2016. De lá para cá, tocam durante às tardes e também às noites, até por volta das 23h30.
Além das músicas já citadas, os embalos nos trens são feitos ao som de Alceu Valença, Gilberto Gil, Adoniram Barbosa, Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, Jota Quest, Zé de Camargo e Luciano, Dominguinhos, Beatles, entre outros.
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Por Maria Lígia Pagenotto no Sampa Inesgotável em parceria de conteúdo com o São Paulo São.