Aos 17 anos, violinista de Parelheiros faz história ao vencer concurso internacional em Viena

Por Márvio dos Anjos.

Aos 17 anos, Guido Sant’Anna fez história para a música clássica brasileira na principal sala de concertos de Viena. Depois de encerrar a décima edição do concurso internacional para violinistas que homenageia o lendário austríaco Fritz Kreisler (1875-1962), o paulistano de Parelheiros, zona sul de São Paulo, foi nomeado vencedor pelo júri da 10º edição da competição, em decisão que levou uma hora para ser anunciada. Nenhum dos jurados é latino-americano.

A simples presença de Guido – o terceiro músico mais jovem desta edição do concurso e o caçula da final – já era uma conquista fabulosa para um país bissexto em astros do arco. Em termos de violino, o feito de Guido se assemelha a uma vitória de Grand Slam do tênis. O vencedor do Fritz Kreisler se credencia a uma parte significativa dos prêmios totais de 75 mil euros.

Quando entrou na Sala Dourada do Musikverein de Viena, seu andar suavemente desengonçado, Guido tinha a responsabilidade de encerrar o concurso Fritz Kreisler. Na etapa anterior, chamava a atenção seu cabelo com topete ao estilo Morrissey e a gola amarrotada de sua vibrante camisa vermelha. Mas nada disso se destacou mais do que a forma fluida e rica com que o adolescente enfrentou o Concerto para Violino em Ré Maior, op. 77, composto por Brahms em 1878. Se as semifinais ocorreram com acompanhamento de piano, a final de gala, no domingo, teve os violinistas cercados pela Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena, regida por Alexander Joel.

Aos 17 anos, Guido Sant’Anna fez história para a música clássica brasileira. Foto: Divulgação.

A noite foi aberta por Michael Shaham, um israelense de 19 anos, que tocou o Concerto em Ré Menor do finlandês Jean Sibelius (1865-1957). Depois, a japonesa Rino Yoshimoto, 19, mostrou o Concerto nº 1, em Fá Sustenido Menor, do polonês Henryk Wieniawski (1835-1880). Ainda que na incômoda posição de abertura da noite, Shaham parecia ter a seu lado certo prestígio que a peça de Sibelius goza nas décadas mais recentes, e sua interpretação foi de fato suntuosa.

A sala de concertos Musikverein em Viena, fundada em 1870. Foto: Divulgação.

De posse do violino Iorio de 1833 cedido pela Caris Foundation e com uma camisa igualmente vermelha, mas agora com a gola impecável, o brasileiro mostrou segurança, precisão e belo ardor latino-americano em uma obra normalmente considerada “séria”, dentro do repertório do violino. Comparado com a obra de Wieniawski, o concerto de Brahms é menos pirotécnico na parte do solista, que soa mais integrado ao corpo orquestral. Ainda assim, impõe desafios assombrosos nessa suposta discrição, exigindo enorme personalidade do solista a fim de que se destaque no blend equilibrado.

Na preparação, Guido apresentou esta obra em abril, com a Sinfônica de Barra Mansa-RJ, e em julho, ao lado da Sinfônica de Porto Alegre. Em Viena, não parecia tenso. Entre o primeiro e segundo movimento, foi atencioso o suficiente para rechecar a afinação do instrumento. Em seguida, entregou um segundo movimento de enorme beleza. No vibrante Allegro giocoso do final, com um tema altamente cantarolante, Guido mostrou uma leitura vívida, empolgada, sem cair em vulgaridade. Terminou ovacionado pela sala, com direito a gritos bem brasileiros ouvidos na transmissão pelo YouTube. Depois, o presidente do júri o anunciou como vencedor, e dividiu o segundo lugar entre Shaham e Yoshimoto.

Aos nove anos, Guido Sant’Anna tocou junto ao balé “O Quebra Nozes”; na foto de 2014, em ensaio na sede da companhia Cisne Negro,
em São Paulo. Foto: Marlene Bergamo/Folhapress.

A história desse prodígio brasileiro já foi apresentada ao público desde sua infância. Descoberto por Marcia Uhlmann e apoiado pela família, tornou-se estudante de violino aos 5 anos, então fascinado pelas gravações do russo-americano Jascha Heifetz (1901-87). Aos 8, já era apresentado no “Programa do Jô” pelo maestro Júlio Medaglia como um fenômeno. Aluno de Elisa Fukuda e bolsista da fundação Cultura Artística de São Paulo, Guido se apresentou aos 12 anos, em 2018, sendo finalista do Concurso Internacional Yehudi Menuhin, da Suíça, na categoria júnior.

Além do primeiro prêmio, Guido conquistou um contrato de um álbum com a gigante internacional Naxos, de Hong Kong, e fará recital com a Filarmônica de Viena, no mesmo Musikverein onde ocorreu o concurso, transmitido pelo canal oficial do concurso no YouTube.

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Por Márvio dos Anjos, especial para O GLOBO de Viena.

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