‘Crack Zero’: além de roupa e comida, café e limão para tratar viciados

Uma ONG informal, que trata viciados em crack com café e limão, corre o risco de ser despejada e ter de devolver às ruas 60 pessoas em recuperação.

O Projeto Crack Zero tem dois endereços na zona sul de São Paulo: uma casa emprestada, no Ipiranga, com 20 internos, e outra invadida, no Sacomã.

Nesse último local vivem 60 pessoas, entre crianças, homens, mulheres –duas delas grávidas– e idosos que resolveram buscar ajuda para largar o crack.

O imóvel estava desocupado havia cerca de três anos e foi inicialmente invadido por um morador de rua. No último um ano e meio, a ONG abriu ali uma “filial”. A proprietária da casa, porém, obteve na Justiça uma ordem de reintegração de posse, que pode ser cumprida nesta semana.

As condições no local são precárias. Mesmo assim, os moradores afirmam que não querem abandonar o projeto que lhes deu teto, roupa, comida e perspectiva. À frente da ONG está Luciano Celestino da Silva, 39, antigo líder comunitário de Heliópolis, uma favela da região. Ele começou o projeto há três anos e meio, no endereço do Ipiranga, após ver uma conhecida definhar pelo crack.

Silva diz que o método veio da experiência. Todos acordam às 7h, não podem dormir de dia, passam por consultas no SUS e só podem sair da casa com um supervisor – algum outro interno que esteja em um nível mais avançado do tratamento. 

Quando considerados “recuperados” –segundo Silva, 20 estão nessa condição–, recebem ajuda para achar trabalho e voltar para a família. 

Foi assim com José Allan Rosa de Melo, 33, que passou nove meses na casa. Ele diz ter recebido alta no SUS e hoje trabalha como motorista em uma pequena distribuidora. 

“O projeto te deixa livre, mas sempre com outro [interno]. Se você fraqueja, o outro dá a mão”, diz Melo, que voltou recentemente a viver com a mulher e as três filhas. A coordenação do projeto admite, porém, que nem todos completam o tratamento. 

Café e limão

A comida é obtida por doações –toda semana os moradores vão buscá-las na Zona Cerealista, no centro. Café e limão não podem faltar. 

“O limão tira a abstinência, e o café descontamina [o organismo]”, afirma Silva. Os moradores assentem. Relatam que, durante as crises, tomam o caldo do limão puro, o que os acalma. 

Recentemente, a entidade procurou a prefeitura, a fim de conseguir financiamento. Uma equipe da Secretaria Municipal da Saúde fez uma visita informal em maio. 

“Viram que o trabalho é legítimo. Claro que eles falaram que, se viesse a Vigilância [Sanitária], ia fechar, mas a condição que eu tenho é essa”, diz Silva. 

A secretaria informou, em nota, que está “aberta ao diálogo”, mas não detalhou o que poderá ser feito pela entidade. O grupo não tem CNPJ, necessário para se inscrever em editais públicos. 

De acordo com Ivan Mario Braun, psiquiatra do Hospital das Clínicas, da USP, não há na literatura médica nenhum registro de que limão e café possam ajudar dependentes de crack. 

Porém Braun afirma que acolher os usuários e motivá-los a viver sem drogas pode, sim, dar resultado para algumas pessoas. Além disso, segundo o especialista, limão e café, em quantidade moderada, não fazem mal à saúde. 

O Projeto Crack Zero aceita doações de alimentos, roupas e produtos de higiene.

Reynaldo Turollo para a Folha de S.Paulo.

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