O Estilo: ‘De Stijl’, a aurora do design

Era o melhor e o pior dos mundos. Em 1917, a Revolução Soviética prometia ensejar uma sociedade justa, enquanto a violenta Primeira Guerra Mundial, iniciada três anos antes, enterrava as esperanças em uma nova humanidade.

O pintor Pietr Mondrian recusava-se a sucumbir. Embora tivesse desistido dos estudos impressionistas em Paris tão logo o conflito eclodira, insistia ainda nas ideias de mudança na Holanda natal, país cuja luz ele mostrara divergente nas paisagens escuras.

Aos 45 anos de idade, junto a expoentes locais da arquitetura e da arte como Theo van Doesburg, Piet Zwart, Thomas Gerrit Rietveld ou César Domela, decidia operar a revolução dentro da cultura envelhecida.

Ele inseriria a arte na normalidade de seus dias, no desenho dos objetos cotidianos. Com isso, diria não à violência e sim à razão, esta que entendia situada no caminho oposto ao da guerra. 

Piet Mondrian em seu ateliê (1933). Foto: Charles Karsten. Acervo: Gemeentemuseum Den Haag.

Seu ímpeto racional quase se assemelhava a uma espiritualidade. Naquele ano, ao lado de  Doesburg, e distante do marxismo dos soviéticos, fundaria o movimento O Estilo (De Stijl em holandês) para debater e aprofundar esses preceitos.

Os colaboradores da revista homônima, que durou até 1928, declaravam-se neoplasticistas. Lidavam  com as linhas a basear todo o desenho dos objetos e com suas cores básicas, o vermelho, o amarelo  e o azul. E, ao buscar esse desenho universal da vida, desejavam imunizar a cultura de qualquer  impureza.

Abominavam o nacionalismo, que faziam equivaler a uma infecção, e admiravam a arquitetura do americano Frank Lloyd Wright, que com ele idealizara uma nova geometria do espaço. Dois anos depois surgiria na Alemanha a escola Bauhaus, em semelhantes moldes vanguardistas, mas a reivindicar o fim do mercado da arte.

Os neoplasticistas não se entendiam revolucionários nesta medida, nem mesmo professores como os da Bauhaus, escola fechada em 1933     pelos nazistas. Muito distantes dos organizados alemães,  contudo, os fluidos holandeses trabalhavam incessantemente

Uma centena de suas obras cujos conceitos basearam o design industrial contemporâneo estará exposta no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a partir do dia 25, até 4 de abril.

Pintura número 4, composição 3 (1913). Imagem: divulgação.

O curador Pietr Tjabbes, holandês há três décadas no Brasil, responsável por curadorias internacionais da Bienal Internacional de Arte de           São Paulo e por retrospectivas como a do artista M. C. Escher há quatro anos, fez a seleção das peças. Em Haia, Tjabbes morava a poucas     quadras do Museu Mondrian, o Gemeentemuseum Den Haag, de onde elas partiram.

Nesta exposição paulistana, Mondrian e o movimento de Stijl, 30 obras são de autoria do artista, desde suas sombrias paisagens holandesas até as primeiras experiências que, mesmo geométricas, sugeriam as figuras ao fundo. O autorretrato de 1918 cita-o de modo algo irônico diante de um de seus quadros.

Nesta exposição, entende-se Mondrian por meio do jazz, colocado como trilha ao fundo. O gênero musical maravilhou o artista desde que, em 1938, deixou novamente Paris à véspera da guerra, rumo aos Estados Unidos.  Em Nova York, descobriu o charleston e o elegeu de sua predileção. Não era músico, mas precisava de música para viver.

Parecia ser aquele que mais se divertia durante os bailes, e de um estranho modo. Os amigos batizavam seu estilo de Madona Dançante, por conta dos passos encenados com cálculo. Assim como na arte planejava desenhar a essência das figuras, nos salões seus passos seguiam uma ordem preestabelecida, de difícil assimilação pelas mulheres que o acompanhavam.

Composição-de-Mondrian

Composição com grande plano vermelho, amarelo, preto, cinza e azul (1921). Imagem: divulgação.

Obsessivo, calejava as mãos durante a concepção de seus arranjos geométricos, refeitos por tardes, dias e noites inteiros. Enquanto montava sua última obra, Victory Boogie-Woogie, em 1944, desenvolveu pneumonia e morreu, aos 71 anos de idade. Era, ao fim, ainda mais pleno de ambições que no início, dando mostras de apenas ter iniciado a construção de uma ideia original.

Victory Boogie-Woogie não está exposta no CCBB, obra que raramente deixa a Holanda por conta de sua extrema delicadeza, mas um fac-símile permanecerá disponível em uma espécie de oficina, durante a qual os visitantes poderão remontá-la. 

 

Mondrian

Página da brochura, por Pietr Zwart (1931). Imagem: divulgação.

A geometria de Mondrian era também uma experiência, um modo de encenar a vida. Como seus colegas de movimento, ele chegou a acreditar que o princípio da forma, congênito, poderia ser adquirido por qualquer um. Mas, pessoalmente, não reduziu a técnica ao mínimo necessário e prosseguiu no caminho de elaborar sua pintura.

A rigor, nem mesmo seus colegas dispensaram a extrema elaboração. Iniciado na carpintaria, Rietveld foi o responsável por conceber um dos objetos-símbolo do movimento, a poltrona de encaixes baseada em ângulos retos, de encosto moldável à coluna, sem estofamentos.

Ele primeiro a construiu em madeira laqueada preta, em 1917, depois aplicou-lhe as cores básicas do movimento, simulando a continuação de suas linhas ao infinito. E avançou pela arquitetura, ao erguer sete anos depois, em Utrecht, a Casa Schröder modular e plena de varandas, quase inteiramente vista em seu interior a partir de fora. 

 

Poltrona Vermelha e Azul, de Rietvel (1923). Imagem: divulgação.

O De Stijl andou por muitas áreas, como a confecção de cartazes, à moda daqueles de Pietr Zwart, que se assemelhavam ao formalismo russo e acolhiam as tipografias em cores básicas. Houve também experiências no campo da fotografia, como as de César Domela, que a partir de um fundo geométrico retratou o perfil de sua esposa.

Os neoplasticistas conceberam restaurantes e cinemas-restaurantes, mas não desenharam roupas, embora em 1965 o estilista Yves Saint Laurent tenha confeccionado vestidos calcados nas pinturas de Mondrian. O artista holandês talvez os tivesse apreciado.

O objetivo de sua obra era o de libertar o mundo do trágico e devolvê-lo à sacralidade abstrata. Sua concepção espacial exerceu uma profunda influência sobre os projetos arquitetônicos, sobre a funcionalidade dos espaços.

O historiador Giulio Carlo Argan dele disse: “Não obstante a deliberada frieza de sua pintura, ou justamente devido a ela, Mondrian foi, depois de Cézanne, a consciência mais elevada, mais lúcida, mais civilizada na história da arte moderna”.  

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Rosane Pavan em Carta Capital.

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