Detroit, de cidade quase fantasma a capital da mobilidade

Isso explica, em parte, o longo esvaziamento da cidade. A outra deve-se à questão racial, exposta nos motins de 1967, e que se acentuou com o chamado white fly, a saída em massa dos brancos para os subúrbios. “Medo e racismo”, resume o empresário afro-americano Bobby Burton.

Sandy Lieberman rumou nessa onda para os subúrbios. Hoje a empregada quarentona por trás do balcão da fábrica de cerveja e cervejaria Atwater está de novo a vivendo na cidade e sente a mudança. “É a primeira vez em muitos anos que sinto estabilidade e crescimento. E há investimento, sente-se.” Adverte, no entanto, que não se pode repetir erros do passado: “A cidade tem de ser para as pessoas“.

Foi o que desencadeou as tensões de há 50 anos. “Levaram os negócios e o dinheiro para fora da cidade. Quando a crise financeira e conômica de 2008 explodiu, bateu-se no fundo”, relembra Billy Burton. Estamos no edifício do extinto Michigan National Bank, em pleno centro da cidade. Hoje é o Spacelab Detroit, um escritório de coworking fundado em conjunto com a mulher, Karen, há meio ano, e que acolhe pequenas empresas de publicidade, consultoria, marketing e tecnologia. “Só o hotel e o Cobo (centro de convenções) estavam abertos. Nada do que se vê hoje nesta área existia então. Era desolador”, diz.

“Está vendo aquele edifício de tijolo?”, pergunta Burton, um antigo executivo de banco, enquanto olha pela janela. “Ali vai ser a nova sede de uma grande empresa de componentes para automóveis”, a Adient, que vai mudar-se de Milwaukee, do estado vizinho de Wisconsin, e trazer centenas de trabalhadores para o centro da cidade.

Ao andar à toa pelo centro até a pessoa mais desatenta nota os contrastes. Há edifícios do distrito financeiro que presenteiam com música os transeuntes. E a não muitos metros não há sons que saiam de edifícios devolutos. Se o município demoliu mais de 12 mil propriedades e tem planos para dar o mesmo fim ou reabilitar outros 25 mil nos próximos dois anos, novos proprietários, como o do antigo edifício do Michigan National Bank, prometem mudar a cidade.

De todos os que abraçaram a ideia de investir na cidade, Dan Gilbert foi quem levou mais a sério a ideia. Detroiter e bilionário, dono de um banco de crédito imobiliário e da equipe de basquete Cleveland Cavaliers, Gilbert adquiriu através da sua empresa Bedrock mais de 90 propriedades em Detroit. Ou, dito de outra forma, 15 milhões de metros quadrados em troca de 2,1 mil milhões de dólares e o objetivo de criar 24 mil postos de trabalho (15 mil nas obras e 9 mil em permanência).
É preciso ter como "prioridade número um melhorar a educação pública" e "gerir o enorme crescimento da cidade de forma inclusiva". Foto: Tony Cenicola / The New York Times.

É o caso mais flagrante da reconversão do centro de uma cidade quase fantasma, onde há seis anos não existia uma única mercearia – quanto mais um supermercado – nem serviços básicos como a coleta do lixo ou os transportes públicos eram assegurados. Em 2013, o município declarou a bancarrota.

“Foi um momento obviamente grave”, comenta Sandy Baruah, presidente e administrador executivo da câmara de comércio local, Detroit Regional Chamber, situado noutro  icônico edifício da região, o One Woodward . “Fomos capazes de ajudar o prefeito e o governador no esforço e creio que fomos muito eficazes. Ajudamos Detroit a sair do processo de bancarrota em um ano e meio, o que é algo sem precedentes. Fomos capazes de unir a região e falarmos a uma só estratégia e voz”, destaca o gestor que trabalhou na Casa Branca na equipe de George W. Bush. “Por fim fomos capazes de juntar a indústria automobilística num só órgão, o Michauto”, completa.

O automóvel é rei e senhor da região. “Somos com certeza a capital da mobilidade e do automóvel na América do Norte. Há mais de 2 000 locais de pesquisa e desenvolvimento no estado, focados na mobilidade. Não estão aqui só as principais construtoras americanas. A Nissan tem aqui a sua sede na América do Norte, a Toyota tem a unidade de topo da pesquisa e desenvolvimento, a Kia também. E 65 dos 100 principais fornecedores de automóveis têm sede aqui.” O grande objetivo de Detroit é ser o ponto de origem do automóvel sem motorista construído em massa.

“As pessoas passaram por muita coisa, mas estão determinadas para que tudo corra para melhor”, crê Burton. Mas para isso, nota Baruah, é preciso ter como “prioridade número um melhorar a educação pública” e “gerir o enorme crescimento da cidade de forma inclusiva”.

Por César Avó no Diário de Notícias, enviado especial a Detroit.

 

Tags

Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on pinterest
Share on linkedin
Share on email
No data was found

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Categorias

Cadastre-se e receba nossa newsletter com notícias sobre o mundo das cidades e as cidades do mundo.

O São Paulo São é uma plataforma multimídia dedicada a promover a conexão dos moradores de São Paulo com a cidade, e estimular o envolvimento e a ação dos cidadãos com as questões urbanas que impactam o dia a dia de todos.