Hoje, tudo mudou. Há quem trabalhe de noite e durma de dia. Há lojas que nunca fecham. Há academias que funcionam de madrugada. Faculdades lotam à noite. A cidade parece não parar nunca.
Mas o domingo ainda é especial. O domingo ainda guarda uma nostalgia, uma sensação que vem desde os tempos imemoriais, quando nossos antepassados esperavam pela missa quase obrigatória para depois se recolherem em silêncio.
De alguma maneira inexplicável, o tédio e a melancolia das ruas vazias do domingo ainda nos perseguem e ainda fazem parte do nosso ciclo semanal, mesmo em meio a uma multidão.
Quem anda pela rua aos domingos consegue ver os ecos daquela cidade que parava para descansar.
Manhã
Há os que acordam cedo aos domingos para aproveitar a cidade. São os esportistas, corredores, ciclistas. As ciclovias e ciclofaixas permitem o passeio que os dias de semana negam. No Ibirapuera, há uma sensação de quase-praia. Na Paulista sem carros, a cidade comparece a qualquer evento que apareça, seja um show da Zizi Possi seja uma aula de dança funk em frente ao Masp.
A manhã também é a hora em que as pessoas levam seus cachorros ao passeio, em Moema, Santana ou Tatuapé. Ao contrário dos dias de semana, em que há alguns passeadores levando até dez cachorros, aos domingos, cada dono, cada dona, sai de casa portando orgulhosamente seu lulu e seus saquinhos de plástico.
Os encontros são festejados, enquanto os cachorros se farejam, seus donos celebram o encontro: “é um fox paulistinha, você sabe como eles são agitados…”
A manhã de domingo ganha uma auréola na hora do frango assado. O aroma carrega a esperança da refeição compartilhada e invade os bairros, como o Campo Belo, onde há uma fila de espera pelo frango com farofa. Na banca ao lado da padaria, um casal compra jornal e um álbum de pintar, para uma menina, que deve ser a neta.
Tarde
O almoço marca o início de um grande e raro silêncio. É o momento em que andar na rua ganha uma enorme melancolia.
Essa é a hora mais difícil para os solitários. Não há movimento no centro nem em Santo Amaro ou no Brás. As casinhas com janelas para rua no Ipiranga emitem um plim-plim coletivo. Os fregueses dos restaurantes da Bela Vista ou dos Jardins bocejam nas calçadas enquanto se despedem.
No Bosque da Saúde, crianças imunes ao sono empinam pipas.
O barulho das ruas da Lapa parece mais baixo, e de fato há poucos ônibus, os carros andam devagar, até aviões parecem não estar voando agora.
Às quatro da tarde, começa o indefectível jogo de futebol em todas as televisões da cidade. Ao contrário das séries do Netflix, o futebol do domingo ainda acontece num horário só. A sensação de ver o Corinthians, o São Paulo, o Palmeiras, ou mesmo a Chapecoense e o Flamengo, ao mesmo tempo em que milhões de outras pessoas é um alento na tarde paulistana e um lembrete da urbanidade.
À noitinha
O pôr do sol marca o fim da modorra. A sombra ameaçadora e bem vinda da semana já desponta nos calendários mentais e limpa a névoa mental e física da cidade. A introspecção acabou, a atividade laboriosa vai prevalecer sobe o tédio e por uma semana a preocupação vai ser com a sobrevivência, o trabalho, os afazeres, a lista de compras, as contas a pagar, a fila do trem da CPTM.
O ar está limpo e o barulho voltou, os aviões voltaram, trazendo gente que foi, mas já voltou.
Há uma aglomeração na frente do cine Belas Artes, há um filme a ser visto, há um assunto no ar. Na mesma hora, os manifestantes do largo da Batata gritam. Em outros bairros, grupos de adolescentes andam pelas calçadas e riem.
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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas do Estadão.