Em Portugal, fecha-se o cerco aos automóveis

Esta semana, Lisboa aprovou a Visão Estratégica para a Mobilidade 2030, um conjunto de “intenções” que devem se tornar realidade a partir de agora, para que a cidade tenha “uma vida de bairro, de proximidade, protegida do tráfego intenso e onde as pessoas se desloquem preferencialmente a pé, de bicicleta ou em transporte coletivo”. Por trás das medidas a serem implementadas, as duas principais preocupações do poder público são segurança e sustentabilidade. Daí as metas de acabar com as mortes nas estradas da cidade, melhorar o transporte público e expandir a rede de ciclovias. Em algumas áreas da cidade, só serão permitidos veículos de emissão zero, seguindo para a eliminação progressiva de circulação de veículos a gasolina e diesel. Desde 2015, a cidade já limita o acesso do automóvel em determinados trechos. Há, por exemplo, critérios como a idade do veículo: carro velho, na prática mais poluentes, são mais penalizados. Veículos a diesel não poderão circular pelo centro de Lisboa a partir de 2030. Ainda assim, quase 50% dos deslocamentos dentro da cidade hoje são feitas em automóvel. A meta é baixar para cerca de 34% até 2030.

Carros poluentes estão proibidos no centro de Lisboa. Foto: Tobi Gaulke / Flickr.

Em outra frente de atuação, a Câmara de Lisboa também já aponta para a redução da velocidade máxima permitida em determinados trechos (em alguns, velocidade máxima de 30 km/h) e a ampliação do número de radares. Quando se compara os números lisboetas com a realidade de São Paulo, parece que estamos falando de duas galáxias diferentes: o trânsito matou 140 pessoas em Lisboa nos últimos 10 anos e a cidade possui pouco mais de 21 radares (agora querem chegar aos 40…). Mas a distância da comparação quase incomparável não diz respeito aos números, mas sim à percepção que o poder público tem sobre o tema. “Podemos perguntar se o número (de mortes) é grande, se é pouco. Mais do que zero é demasiado”, declarou o secretário responsável pela pasta dos transportes. “É muito melhor termos radares do que mortes na estrada”. Apesar de uma série de medidas ainda estarem sendo melhor desenhadas, já ficou definido neste momento que não haverá a criação de pedágios urbanos e que é preciso investir na infraestrutura da rede de abastecimento de veículos elétricos, com novos pontos de carregamento.

O exemplo de Lisboa é apenas mais um entre tantos outros nas grandes ou pequenas cidades portuguesas. No Porto, o diretor de mobilidade e transportes da Câmara Municipal reforçou em recente entrevista que seu maior desafio é o controle de tráfego da cidade. Diariamente, entram e saem do Porto cerca de 350 mil veículos, que se somam aos 40 mil que “vivem” dentro da própria cidade. 

Segundo pesquisas, é na cidade do Porto que se perde mais tempo no trânsito. Foto: Jornal de Notícias.

Aqui em Ovar, a cidade passa também por reestruturações da malha viária, abrindo mais espaço para as bicicletas e reduzindo para os carros. Ruas que antes tinham duas pistas, passaram, por exemplo, a ter apenas uma, com calçadas mais largas e pistas dedicadas apenas às bicicletas. E não é só Ovar, claro. Cidades do mesmo porte ou até menores também seguem com a preocupação em relação aos carros e a emissão de poluente. Em algumas, trata-se também de cuidados com o patrimônio histórico, que na maioria das vezes não combina com carros indo e vindo. A sorte é que muitas delas não precisam de uma política específica: a configuração das ruas já limita o trânsito de veículos. Aliás, deixo aqui uma dica para os que confiam cegamente nos aparelhos de GPS: muitas vezes eles indicam ruas que acabam numa escadaria ou, pior, pistas que vão afunilando, afunilando e, quando se percebe, já não é possível avançar, o que nos deixa com a difícil tarefa de tentar ao menos proteger os espelhos laterais quando somos obrigados a voltar de ré numa viela…

A grande preocupação em relação ao trânsito de veículos em Portugal e a consequente emissão de poluentes pode se explicar pela frota relativamente grande (em comparação com o Brasil, por exemplo). Apesar de ocupar a 12ª posição da União Europeia em número de veículos leves em circulação (Alemanha é a líder, seguida pela Itália e a França), Portugal possui cerca de 5 milhões de carros de passeio (e o país tem cerca de 10 milhões de habitantes!). E o maior problema é a que idade média da frota é de quase 13 anos, ou seja, veículos que tendem a ser mais poluentes. E o envelhecimento vem crescendo ao longo dos anos. Em 2000, a idade média dos carros era de 7 anos, sendo que cerca de 177 mil automóveis tinham mais de 20 anos de vida. Hoje, há cerca de 800 mil deles com mais de duas décadas e ainda circulando. Carros zero quilometro? Menos de 3% de toda a frota. Dos quase 5 milhões, a maioria tem motor a gasolina (52%), seguida pelos movidos a diesel (cerca de 40%). Os elétricos ou alimentados a gás ainda representam muito pouco da matriz energética dos automóveis. 

Em Ovar, a cidade passa também por reestruturações da malha viária, abrindo mais espaço para as bicicletas e reduzindo para os carros. Foto: Etc e Tal.

Nós, por aqui, ajudamos a inflar os indicadores dos carros com cerca de 20 anos. Mas como ele fica mais tempo na garagem do que circulando pelos grandes centros, acho que ainda temos algum crédito.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

 

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