Todo livro contém um universo próprio e único que se revela para o leitor. Percorrer cada página é percorrer caminhos de um outro mundo que se abre bem diante de nós, despertando-nos para diferentes cenários, outras realidades, novas possibilidades. Ao terminar uma leitura, já somos diferentes de quando a começamos.
Entrar em uma biblioteca é uma experiência similar. Cada qual a seu modo, toda biblioteca carrega algo de misterioso e revelador, que também nos instiga – somos tomados pelo desejo de desbravar aquele universo particular, assim como os infinitos universos nele contidos.
Também em uma biblioteca ou estante individual, pessoal, temos muito a descobrir: pelas escolhas dos títulos, ou mesmo pela forma como estão dispostos, podemos conhecer as preferências de alguém, seus interesses, encontros e desencontros, modos de ser e de pensar – ela é como uma autobriografia, constituída de formas, cores, texturas, cheiros e palavras… infinitas palavras.
Em cartaz no Sesc Paulista desde o início de outubro, a bela exposição “A Biblioteca à Noite” foi criada por Robert Lepage e seu grupo Ex Machina a partir do livro homônimo de Alberto Manguel (que também participou da concepção da mostra). No livro de 2006, o escritor, ensaísta e crítico literário discute o lugar histórico das bibliotecas na nossa cultura a partir da experiência pessoal de organizar seus 35.000 livros em uma edificação medieval francesa (que ele comprou em ruínas e transformou em sua casa).
Na sofisticada montagem, Lepage, artista multimídia e encenador premiado, explora novas tecnologias para permitir ao visitante uma inédita imersão em ambientes reais e fantásticos. Ao colocar os óculos de realidade virtual, embarcamos em uma jornada que abole fronteiras espaciais e empurra as paredes do tempo, durante a qual dez bibliotecas incríveis de todo o mundo e diferentes eras nos são apresentadas.
De Sarajevo à Cidade do México, passando pela mítica biblioteca de Alexandria ou pela do templo Hase-Dera, no Japão, entregamo-nos a outros mundos, a outros povos e conhecimentos. Uma viagem tão concreta quanto imaginária, que nos joga em um ambiente mítico e filosófico – do qual, como após a leitura de um livro, também saímos diferentes de quando entramos.
No excelente material educativo da exposição, encontrei a frase “Cada um de nós é a biblioteca de nossas próprias experiências.” Refletindo sobre essa ideia, fiz uma analogia dessa biblioteca que nos habita com a própria mostra: afinal, ambas misturam ficção e não-ficção, verdade e mentira, entrelaçando tempos, fatos, sentimentos e memórias. Talvez por isso também a visita à exposição seja tão enriquecedora: ela nos convida a um mergulho em nosso próprio “palimpsesto de recordações – episódios, personagens, frases, palavras” – ou seja, um mergulho em nossa própria identidade.
Serviço
A Biblioteca à Noite
De 3 de outubro de 2018 a 10 de fevereiro de 2019.
Local: Arte I (5º andar) | Ação educativa: 6º andar.
Horários: Terças a sábados, 10h30 às 21h. Domingos e feriados, 10h30 às 18h30.
Entrada gratuita – Necessário agendamento online antecipado.
Classificação: 14 anos.
Para saber mais acesse o site do SESC!
***
Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas, produtora de conteúdo e redatora colaboradora do MaturityNow.