Germano Mathias; a categoria do último dos malandros

 
Germano Mathias está que é só felicidade. Acaba de sair do estúdio onde gravou dois CDs, alicerçado por músicos que o acompanham há tempos. Aos 81 anos, ainda se diverte como criança. “Entre nós, é só piada”, diz o rei do samba sincopado, o último de sua espécie. Emenda uma história na outra, ri dos próprios chistes e só perde o bom humor quando comenta que os shows estão diminuindo. “Só dão valor aos sertanejos. E nem sertanejos eles são.”

Batizou o novo filho como Sambas de Morro – Inusitado, Peculiar e Sui Generis. “Luizinho 7 Cordas disse que o CD deveria se chamar Fim de Carreira”, gargalha. Define o disco como “estranho, cabalístico e esotérico”. “São sambas que ninguém teria coragem de gravar, só eu.”

No repertório, O Automóvel, O Relógio e A Mulher, “coisas em que a gente não deve depositar muita fé”, apregoa a letra de Mathias, a ecoar um ranço machista que se dilui quando se coloca em perspectiva o autor e sua época, além de se levar em consideração a alta carga de picardia a envolver o personagem.

Em Papo Furado, parceria com José Guimarães, cria o que chama de “embaraço”, uma abreviação das sílabas, quase um trava-língua que canta sem nenhuma dificuldade, enquanto outros tropeçariam feio. “Não me enrolo porque sou o Catedrático do Samba”, esclarece, relembrando o epíteto que Randal Juliano lhe deu no programa Astros do Disco, nos anos 1960. “Quem ouve pensa que eu fumei maconha estragada”, diverte-se.

Em Os Vidrados, outra parceria com Guimarães, o último dos malandros mostra que ninguém é chamado assim à toa. Tem de fazer por merecer. Foram anos de boemia, rios de dinheiro gastos em farras sem pensar no amanhã. Passada a juventude, se arrependeu um pouco, mas só um pouco. Na letra, Mathias (“com H de homem e M de macho”) descreve um casal que se deleita, cada um de uma janela no prédio, antecipando o momento em que estarão juntos. “Tem conotação pornográfica no final. No show eu imito os gestos”, informa, às gargalhadas.

O CD traz ainda Serenata Chinesa, de Braguinha, e Na China, marchinha de Haroldo Lobo e Milton Oliveira. “Estava tudo no meu baú. Muitos desses sambas antigos refletem o que está acontecendo hoje.” É batucada da boa, “o batuque é de samba tradição”, esclarece, para que ninguém ouse confundir com certos pagodes de batida intercalada. “São harmonias bonitas, que crescem no acompanhamento.” Na cozinha azeitada estão bambas como Luizinho 7 Cordas, Allan Abadia (trombone), Rodrigo (cavaquinho e banjo) e percussão comandada por Marcelo Barro, filho de Osvaldinho da Cuíca, que dispensa apresentações.

O CD Forrós Pé de Serra reúne clássicos do gênero compostos por Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda e Zito Borborema. “Está bem gravado e tem até ponto de umbanda pra macumbeiro. Posei pra foto com chapéu de cangaceiro e óculos pra ficar parecido com Lampião. Gostei demais de gravar.”

Ansioso pelo lançamento de Sambas de Morro, marcado para 18 de dezembro, no Sesc Belenzinho, adianta que na foto da capa do CD aparece “como um malandro, com braços abertos e gritando feito um filho da puta, muito doidão”. Metralhadora giratória, conta que dia desses Yvone, sua mulher, ameaçou lhe dar com o chinelo na cara. Só porque está seguindo à risca as recomendações do ministro da Fazenda sobre como proceder em fase de austeridade: “Ele lançou um pacote de maldades. Mandou apertar o cinto. A Yvone pediu 50 reais, eu disse 40?, por que 30?, 20 é muito, leva 10 e me traz o troco!”.

Ana Ferraz em Carta Capital.

 

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