‘Mostro o banheiro para todo mundo’ diz moradora de favela após a reforma

Abigail Pellegrini mora há 28 anos no Jardim Felicidade, favela na zona sul de São Paulo. A casa onde mora com quatro filhos e uma sobrinha é própria, mas os sinais de que precisa de uma boa reforma estão por toda a parte. 
“Tem goteira no telhado. Lá no meu quarto até escorre água pela parede e eu não tenho janela. A única que tinha foi fechada pelo vizinho”, conta ela, apontando ainda para a escada enferrujada.

Desempregada, ela está sem condições de trabalhar devido a uma obesidade mórbida, não poderia pagar uma reforma apenas com o salário da filha e o Bolsa Família, que somados geram uma renda familiar que não chega a R$ 1.000.

A oportunidade de ter um novo banheiro surgiu quando o Programa Vivenda, negócio social que realiza reformas de baixo custo e alto impacto social em favelas da capital, bateu em sua porta depois da indicação de uma amiga.

Com o subsídio do Instituo Azzi, parceiro do programa, Abigail pode reformar o único banheiro da casa. “Era feio, sujo, só tinha o vaso e o chuveiro. O piso era de cimento grosso.” Hoje, ela fala com orgulho de seu novo cômodo.

“Eu até faço questão de deixar a porta aberta para todo mundo ver. Você olha branquinho, bonitinho, não faz vergonha pra ninguém.”

Abigail foi uma das 134 reformas realizadas pelo Vivenda desde o início de 2014. O negócio social foi fundado pelo administrador Fernando Assad, 32, finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro e concorre também na categoria Escolha do Leitor; vote.

Leia a seguir o depoimento de Abigail à Folha de S.Paulo.

***

Sou carioca, de mãe baiana e pai pernambucano e moro aqui no Jardim Felicidade [zona sul] há 28 anos. Divido minha casa com meus quatro filhos e uma sobrinha.

Quando eu me separei, eu fui morar de aluguel e meu ex-marido ficou aqui. Depois ele alugou para um pessoal que destruiu a casa. Antes não era assim.

A fiação está toda para fora, não tem piso. Eles quebraram tudo.

Quando eu voltei, minha ex-sogra comprou o azulejo, mas eu ainda não consegui colocar. Já estava doente e os meninos eram pequenos.

Eu tenho obesidade mórbida devido a problemas na minha última gravidez. Recentemente, consegui o tratamento adequado pelo SUS e já perdi 20kg.

Também tenho problemas respiratórios e minha filha de 16 anos tem bronquite e rinite. A casa é abafada, toda fechada desse jeito. É escura. A gente tem que estar sempre com luz acesa durante o dia.

Não tenho janela. A única que tinha foi fechada pelo vizinho.

Quando chove, a casa fica cheia de goteira. No meu quarto até escorre água pela parede.

O lugar mais claro é a cozinha porque tem janela. O resto da casa não tem. A escada está quebrando e eu tenho medo porque, afinal de contas, perdi 20kg, mas ainda tem 140kg aqui. Eu tenho medo de ela arrebentar comigo.

O banheiro era feio, sujo, só tinha o vaso e o chuveiro. O piso era cimento grosso, a porta era ‘portátil’ [risos]. A gente tirava para entrar e escorava para usar o banheiro.

Não tinha o que fazer para limpar e, se jogava um cloro, cheirava demais e me prejudicava. Eu morria de vergonha porque é a parte da casa que uma vista mais visita.

 

No antigo banheiro de Abigail, não havia piso e a fiação era exposta. Foto: Na Lata.


Surpresa

Uma amiga, que me acompanha há muito tempo e conhece minhas dificuldades, soube do Vivenda porque outra conhecida nossa fez a reforma com eles. Ela perguntou se poderia me indicar e fez essa surpresa.

Em uma semana já estava todo mundo aqui. Foi tudo bem feito e de maneira rápida, dentro do prazo de cinco dias.

O pedreiro que estava fazendo o banheiro viu o piso que minha ex-sogra comprou e fez mais esse favor, colocou esse pedaço [em frente ao banheiro].

O banheiro está ‘nos trinques’. Não queima mais o chuveiro, eles trocaram o fio e o banho agora é sempre quentinho. Por mim, o banheiro agora tem que ser limpo toda hora para continuar brilhando.

Eu até faço questão de deixar a porta aberta para todo mundo ver. Você olha branquinho, bonitinho, não faz vergonha pra ninguém.

Crédito facilitado

Eu consegui reformar porque a proposta de pagamento ficou bem dentro do orçamento. Só uma filha minha trabalha e recebo R$ 150 do Bolsa Família por dois que estão na escola. Mesmo assim ainda aperta um pouquinho

Começo a pagar agora em novembro. O valor do banheiro seria de R$ 3.900, mas eles reduzem e eu vou pagar R$ 900, dividido em dez prestações.

Conversei com minha filha, a gente apertou um pouquinho e vamos tirar do Bolsa Família e do salário dela e pagar assim.

É difícil conseguir crédito [fora]. Eu não tenho renda, desempregada, só tenho uma filha trabalhando. O meu filho de 19 anos também está desempregado há pouco tempo.

Então fica muito difícil conseguir crédito, principalmente quando se ganha menos de R$ 1.000 como ela pra manter a casa.

O sonho

Quando eu consegui o crédito [com o Vivenda], eu fiquei feliz. Quando eu vi o banheiro pronto, eu fiquei feliz duas vezes. Conseguindo arrumar a casa toda, pode ter certeza, que eu vou ficar mais feliz ainda. Elas [as filhas] também estão contentes. Graças a Deus.

A prioridade agora seria o meu quarto e a escada. Depois, o resto da casa porque está pingando, a calha já está começando a dar defeito.

Meu sonho de moradia seria uma casa térrea, para eu abrir a porta e ter um quintal para sentar na minha cadeira e tomar um ventinho.

***
Depoimento a Eliane Trindade, editora do Prêmio Empreendedor Social.  Com Patricia Pamplona de São Paulo.

 

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